Balanço sobre o Futuro
Artur Soares Alves
17-Abr-2014
A lei 31/2012 veio corrigir o aspeto mais hediondo no que respeita
ao arrendamento em Portuga — o congelamento das rendas. Apesar disso, com rendas médias já corrigidas de 131 euros em Lisboa e 116
euros no Porto, conclui-se que as distorções do passado continuam a manifestar-se. Todavia, não é somente o valor da renda o que conta,
pois os seres humanos são sensíveis à justiça inerente a cada situação. Pondo de parte as fugas à lei podemos dizer que se os inquilinos
não pagam mais é porque não podem e isso, não sendo aceitável que se faça do proprietário um benemérito à força, é pelo menos compreensível.
De ora em diante sobram ainda cinco anos para esta situação se ajustar mas, à primeira vista, o que faz sentido é que um inquilino
que não possa atingir ao menos 1/15 do VPT procure uma situação mais barata, quer em tamanho, quem em localização. É isso o que faz
toda a gente quando o dinheiro não chega — reduzir o nível do seu consumo — sem que isso mereça honras de tragédia.
Chegados
a este ponto parece que os movimentos de proprietários, centrados como estiveram na correção do congelamento, esgotaram a sua missão.
Porém, não é esse o caso. De facto, após ter-se trazido o País à beira da falência fomentando por todos os meios a compra de habitação
própria, o Governo tem reconhecido a necessidade de uma mudança de política. É assim que no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 53/2014 de
8 de abril se afirma:
«A revisão operada pela referida Lei n.º 32/2012, de 14 de agosto, inscreve-se num amplo e profundo conjunto
de reformas centrado na aposta clara do Governo na redução do endividamento das famílias e do desemprego, na promoção da mobilidade
das pessoas, na requalificação e revitalização das cidades e na dinamização das atividades económicas associadas ao setor da construção.
Neste
contexto abrangente, a reabilitação urbana e o mercado de arrendamento constituem domínios estratégicos e essenciais, cuja estreita
conexão se afigura indiscutível e que, por isso, foram objeto de um tratamento integrado, articulando-se a referida alteração ao regime
jurídico da reabilitação urbana com a reforma do arrendamento urbano operada pelas Leis n.ºs 30/2012 e 31/2012, ambas de 14 de agosto.»
[Itálico nosso]
É de facto uma mudança de política. Porém, o enunciado de intenções não resolve efetivamente os problemas e,
para quem está no negócio do arrendamento, intenções e casas vazias não pagam dívidas. O futuro do arrendamento está inequivocamente
ligado ao futuro da economia nacional.
A economia nacional
A possibilidade de arrendar casa torna móvel e ágil a mão-de-obra,
e mesmo que as deslocações sejam da ordem dos 30 km a mobilidade residencial representa poupanças para o trabalhador. As empresas
podem situar-se onde encontrem melhores recursos, o que significa poupar no custo das instalações e da mão-de-obra. Zonas mais baratas
têm a possibilidade de atrair investimentos o que vai dar-lhes vida e aproveitar recursos imobilizados.
Por mais voltas que se
deem, a médio prazo o País não pode viver de austeridade e dinheiro emprestado. Para ser viável o País tem que produzir bens transacionáveis,
isto é, bens que se exportem ou que substituam bens importados. Sendo isto um propósito geral sente-se um calafrio sempre que algum
Ministro da Economia anuncia o programa económico que nos vai salvar, como Portugal a Flórida da Europa. Contando com equipas de estatísticos
que recolhem informação sobre o andamento da economia, nem por isso os ministros estão em situação de planear grandes negócios que
envolvem o País e gastam recursos públicos na sua concretização. A simples razão deste facto é que a informação está dispersa pelos
indivíduos e não se pode condensar em estatísticas, por completas que estas sejam. Estatísticas são números, não são factos.
Portanto,
o que pode fazer um governo pela economia é evitar a tentação de regulamentar tudo e orientar o mercado[i]. Porque os regulamentos
facilmente se tornam num emaranhado de burocracia onde os empreendedores se perdem e perdem o seu capital. Não há melhor caminho para
o desenvolvimento do que a liberdade económica, a liberdade de cada um melhorar a sua vida, e tanto faz ser numa refinaria de petróleo
como numa oficina de bicicletas.
Num contexto destes os proprietários urbanos — tanto os que têm uma casa disponível como os
que têm cem casas para arrendar — cá estarão para oferecer habitação e locais não-habitacionais aos melhores preços. Os melhores preços
são os que são compatíveis com a riqueza gerada no mercado, por isso é que a renda de um T0 em Paris pode chegar a 2000 euros, enquanto
que um T2 a cinquenta quilómetros de Lisboa pode custar 250 euros (e para grande felicidade do senhorio se o inquilino for dos que
pagam).
Para exportar e pagar as dívidas, os custos de produção têm que ajustar-se aos preços dos produtos no mercado internacional.
Já sabemos que Portugal não pode ser competitivo pelos salários baixos, di-lo quem sabe e manda, e o certo é que aos senhorios convém
que se paguem altos salários para poderem cobrar rendas altas. Embora o autor não tenha saber suficiente para formar uma ideia, a
verdade é que se um trabalhador auferir 500 euros, ele custa à empresa com os descontos para a Segurança Social e outras alcavalas
(em 14 meses) mais do que 8400 euros por ano. Se, por outro lado, produzir num ano um valor equivalente a 7000 euros, não há discurso
nem lei que lidem com esta conta quebrada.
Para a mão-de-obra ser produtiva é preciso capital e, dentre deste, capital humano,
isto é, saber fazer e ter uma boa atitude no trabalho. O menos que podemos dizer é que durante os anos em que germinou a falência,
as escolas pouco ensinaram, pelo menos não ensinaram o suficiente para a mão-de-obra, seja ela manual ou intelectual, acrescente valor
aos produtos que permita pagar salários altos.
O contexto do arrendamento
Mas uma condição indispensável para que todas
estas vantagens se convertam em realidades, é que a propriedade privada não seja esgotada por um excesso de encargos e de
impostos. Escreveu o Papa Leão XIII. Aqui
Para que o arrendamento possa cumprir a sua função de oferecer aos particulares e empresas
habitação e infraestruturas a preços moderados, é preciso que não seja sobrecarregado com impostos. Por uma razão muito simples: os
impostos têm que ser refletidos no valor final da renda, a menos que se pense que o proprietário trabalha (e investe) para ter prejuízos.
No que respeita aos atuais proprietários, estes têm as propriedades amortizadas e tudo o que possam receber é lucro, por pouco que
seja. Porém, com o nível de rendibilidade atual do arrendamento e o risco constante de rendas por pagar, ninguém vai investir para
ter uma rendibilidade inferior aos depósitos a prazo.
Sem dúvida que a taxa autónoma de 28% é um avanço que equipara o rendimento
líquido do arrendamento ao rendimento (por natureza líquido) dos depósitos a prazo. Todavia, tendo em conta que existem custos de
gestão, ainda assim a rendibilidade é insuficiente. E, todavia, uma forma de liquidar os maus investimentos imobiliários dos últimos
anos seria vendê-los para arrendamento a pequenos investidores.
Evidentemente que é indispensável que todas as despesas que entram
na formação do rendimento sejam admissíveis para abater ao rendimento e não apenas as de conservação e manutenção, e interpretadas
no sentido mais estrito.
Porém, há um problema maior. Por causa da austeridade baixaram os rendimentos das famílias o que associado
a algumas deficiências de comportamento levam a que haja famílias que não oferecem garantias e não conseguem arrendar. Este problema
tem a ver com os outros acima tratados, a saber, o estado económico do País. Mas é um problema que roda em torno de si-mesmo porque
a dificuldade em obter habitação condigna também induz nas pessoas comportamentos disfuncionais. Uma forma de atenuar este problema
seria o Estado, através dos serviços sociais, agir como fiador dessas famílias. Dar-lhes-ia oportunidades de organizar a sua vida
de uma forma responsável, o que é melhor do que dar-lhe pura e simplesmente dinheiro.
FIM
[i] Um grande regulamentador
do mercado foi sem dúvida Oliveira Salazar com o condicionamento industrial.