A propriedade segundo a Rerum Novarum
Artur Soares Alves
29-Set-2011
O século XIX viu nascer o socialismo, uma poderosa
ideologia que ainda hoje é hegemónica apesar das terríveis consequências que teve para a liberdade de muitíssimos e para a vida de
muitos. As correntes duras, socialismo “proletário” ou “científico” e nacional-socialismo estão hoje desacreditadas, porém continuam
poderosas a vertente social-democrata e a vertente “estatista” que por ser a mais amorfa e adaptável é a que melhor subsiste.
O
socialismo é uma invenção de intelectuais com um claro sentido de oportunidade. O êxodo dos campos para as cidades juntou nestas quantidades
inauditas de pobres, situação sem paralelo desde a queda de Constantinopla. Não é credível que esta pobreza fosse pior do que a existente
nos campos donde provinham todos esses operários, porém, era uma pobreza ao pé da porta constituindo uma massa de desesperados pronta
a ouvir qualquer retórica. Portanto, uma excelente tropa de choque para talhar uma fatia de poder, senão para açambarcar o poder por
completo. Uma operação de mobilização somente possível devido às liberdades civis de que gozavam esses intelectuais e que retirariam
aos outros logo que triunfassem as ideias revolucionárias.
A Comuna de Paris (1870 – 1871) deu aos espíritos lúcidos uma antevisão
do que prometia ser a luta de classes, isto é, uma guerra civil sem quartel nem piedade. Em todo o caso este conflito fez progredir
as ideias socialistas, ao ponto de serem incorporadas (com devidas modificações) na prática do Império Alemão fundado por Bismarck
em 1870.
Como instituição, a Igreja Católica parece ter-se dado conta tardiamente deste movimento
que prometia tudo submergir. Todavia, em 1891, o Papa Leão XIII publica o grande documento doutrinário sobre a matéria, a Encíclica
Rerum Novaram.
A liberdade religiosa
permite a cada um adoptar o seu modo de entender-se com o transcendente, mesmo quando se intitula “ateu” ou “agnóstico”. Porém, do
ponto de vista colectivo, nada iguala o peso e a influência da religião organizada, com os séculos de sabedoria acumulada e a influência
em milhões de almas. A confusão espiritual do nosso tempo – com as consequências já bem visíveis no que toca a Portugal – não se resolverá
sem a presença doutrinal da Igreja.
Transcreve-se seguidamente uma parte da Encíclica que diz respeito ao direito de propriedade.
É um texto claríssimo o que é natural em palavras que defendem o interesse público; ficará a retórica obscura para quem pretende retorcer
a realidade. Ainda assim, apresentam-se no fim algumas notas suscitadas pelas realidades vividas, cento e quinze anos que passaram
após a publicação da Encíclica.
Transcrição exacta da parte relevante da edição portuguesa publicada
por O Rei dos Livros.
Suprimir a propriedade privada?
2. Os socialistas, para curar este mal, instigam nos pobres o ódio
contra os que possuem, e pretendem que toda a propriedade de bens particulares seja suprimida, que os bens de qualquer indivíduo sejam
comuns a todos, e a sua administração pertença aos municípios ou ao Estado. Mediante esta transferência da propriedade, julgam
aplicar remédio aos males presentes, repartindo as riquezas e as comodidades entre os cidadãos.
Mas semelhante proposta, longe de pôr
termo ao conflito, prejudicaria o operário se fosse aplicada. Outrossim, é sumamente injusta, por violar os direitos legítimos
dos trabalhadores, viciar as funções do Estado e tender para a subversão completa do edifício social.
O trabalhador sofreria
3. De
facto, como é fácil compreender, a razão intrínseca do trabalho empreendido por quem exerce uma profissão lucrativa, o fim imediato
visado pelo trabalhador, é conquistar um bem que possuirá como seu: porque, se põe à disposição de outrem as suas forças e o seu trabalho,
não é, evidentemente, por outro motivo senão para conseguir com que possa prover ao seu sustento e às necessidades da vida, e espera
do seu trabalho o direito estrito rigoroso não só ao salário, mas ainda a usar dele como entender.
Portanto, se, reduzindo as suas
despesas, chegar a fazer algumas economias, e se, para assegurar a sua conservação, as emprega, por exemplo, num campo, torna-se
evidente que esse campo não é outra coisa senão o salário transformado: o terreno assim adquirido será propriedade do operário
com o mesmo título que a remuneração do seu trabalho.
Quem não vê que é precisamente nisso que consiste o direito à propriedade
mobiliária e imobiliária? Assim, esta conversão da propriedade particular em propriedade colectiva, tão preconizada pelo socialismo,
não teria outro efeito senão tornar a situação dos operários mais precária, retirando-lhes a livre disposição do seu salário
e roubando-lhes, por isso mesmo, toda a esperança e toda a possibilidade de aumentarem o seu património e melhorarem a sua situação.
O
direito à propriedade privada
4. Mas — e isto parece ainda mais grave — o remédio proposto está em oposição flagrante com
a justiça, porque a propriedade privada e pessoal é para o homem de direito natural. Há sob este ponto de vista, uma grandíssima diferença
entre o homem e os animais irracionais. Estes não se governam a si mesmos: são dirigidos e governados pela natureza, mediante
um duplo instinto, que, por um lado, conserva a sua actividade sempre viva e lhes desenvolve as forças, por outro, provoca e circunscreve
cada um dos seus movimentos. O primeiro instinto leva-os à conservação e à defesa da sua própria vida; o segundo à propagação da espécie;
e este duplo resultado obtêm-no facilmente pelo uso das coisas presentes e postas ao seu alcance. Por outro lado são incapazes
de transpor esses limites, porque apenas são movidos pelos sentidos e por cada objecto particular que os sentidos percebem.
Bem
diferente é a natureza humana. O homem possui, naturalmente, toda a perfeição da natureza animal, e por isso, tal como os outros
seres animados, pode fruir dos objectos físicos e corpóreos. Mas a vida sensitiva, só por si, não representa toda a natureza humana:
é-lhe muito inferior e criada para lhe obedecer e servir.
O que em nós predomina, o que nos faz homens e nos distingue essencialmente
do animal, é a razão ou a inteligência, em virtude desta prerrogativa deve reconhecer-se ao homem não só a faculdade geral de usar
das coisas exteriores, mas ainda o direito estável e perpétuo de as possuir: tanto as que se consomem pelo uso, como as que permanecem
depois de nos terem servido.
5. Uma consideração mais profunda da natureza humana vai fazer sobressair melhor ainda esta verdade. O
homem abrange pela sua inteligência uma infinidade de objectos, e às coisas presentes acrescenta e prende as coisas futuras; além
disso, é senhor das suas acções; também, sob a direcção da lei eterna e sob o governo universal da Providência divina, ele é de algum
modo, para si, a sua lei e a sua providência. É por isso que tem o direito de escolher as coisas que julga mais aptas, não só para
prover ao presente, mas ainda ao futuro.
De onde se segue que deve ter sob o seu domínio não só os produtos da terra, mas ainda a própria
terra, pois da sua abundância ele assegura o futuro. As necessidades do homem repetem-se constantemente: satisfeitas hoje, renascem
amanhã com novas exigências. Foi preciso, portanto, para que ele pudesse realizar o seu direito em todo o tempo, que a natureza
pusesse à sua disposição um elemento estável e permanente, capaz de lhe fornecer perpetuamente os meios. Ora, esse elemento
só podia ser a terra, com os seus recursos sempre fecundos.
A terra foi dada a todos
6. Não se apele aqui para a providência
do Estado. O homem é anterior ao Estado. Antes que este pudesse formar-se já o homem tinha recebido da natureza o direito de viver
e proteger a sua existência. Não se oponha também à legitimidade da propriedade privada o facto de Deus conceder a terra a todo o
género humano para dela usufruir. Deus de facto concedeu a terra ao género humano, não para a dominar confusamente, mas no sentido
de que não entregou nenhuma parte a qualquer homem em particular, e de que foi deixado ao esforço humano e às instituições dos povos
estabelecer os limites da propriedade privada.
Aliás, apesar de dividida entre particulares, a terra não deixa de servir à utilidade
comum de todos, atendendo a que ninguém há entre os mortais que não se alimente do produto dos campos. Quem não os tem, supre-os pelo
trabalho, de maneira que se pode afirmar, com toda a verdade, que o trabalho é o meio universal de prover às necessidades da vida,
quer ele se exerça num terreno próprio, quer em alguma actividade lucrativa remunerada com produtos da terra, ou com aquilo que
por eles pode ser trocado.
7. De tudo isto resulta, mais uma vez, que a propriedade particular é plenamente conforme à natureza.
A terra, sem dúvida, fornece ao homem, com abundância, as coisas necessárias para a conservação da sua vida e ainda para o seu
aperfeiçoamento, mas não poderia fornecê-las sem a cultura e sem os cuidados do homem.
Ora, que faz o homem, consumindo os recursos
do seu espírito e as forças do seu corpo na procura desses bens da natureza? Aplica, por assim dizer, a si mesmo a porção da natureza
material que cultiva e deixa nela um certo cunho da sua pessoa, a ponto de, com toda a justiça, possui-la de futuro como sua; e não
é lícito a ninguém violar o seu direito de qualquer forma que seja.
As falsas opiniões
Não vêem que despojam assim esse homem do fruto do seu trabalho; porque
afinal esse campo amanhado com arte pela mão do cultivador mudou completamente de natureza: era selvagem, ei-lo arroteado; de infecundo
tornou-se fértil; o que o tornou melhor está inerente ao solo e confunde-se de tal forma com ele, que em grande parte seria impossível
separá-lo. Suportaria a justiça que um estranho viesse então atribuir-se esta terra banhada pelo suor de quem a cultivou? Da mesma
forma que o efeito segue a causa, assim é justo que o fruto do trabalho pertença ao trabalhador.
É, pois, com razão que universalidade
do género humano, sem se deixar mover pelas opiniões contrárias de um pequeno grupo, reconhece, considerando atentamente a natureza,
que nas suas leis reside o primeiro fundamento da repartição dos bens e das propriedades particulares: foi com razão que o costume
de todos os séculos sancionou uma situação tão conforme à natureza do homem e à vida tranquila e pacífica das sociedades.
Por
seu lado, as leis civis, que tiram o seu valor, quando justas, da lei natural, confirmam esse mesmo direito e protegem-no pela força.
Finalmente,
a autoridade das leis divinas vem pôr-lhe o seu selo, proibindo, sob pena gravíssima, até mesmo o desejo do que pertence aos outros.
«Não desejarás a mulher do teu próximo, nem a sua casa, nem o seu campo, nem o seu boi, nem a sua serva, nem o seu jumento, nem coisa
alguma que lhe pertença».
(…)
Distinção entre a posse e o uso das riquezas
16. Assim, os afortunados deste mundo são
advertidos de que as riquezas não os isentam da dor; que elas não são de nenhuma utilidade para a vida eterna, mas antes um obstáculo;
que eles devem tremer diante das ameaças severas que Jesus Cristo profere contra os ricos; que, enfim, virá um dia em que deverão
prestar a Deus, seu juiz, rigorosíssimas contas do uso que hajam feito de sua fortuna.
Quanto ao uso das riquezas, já a filosofia
antiga pôde delinear alguns ensinamentos de suma excelência e extrema importância; mas só a Igreja no-los deu na sua perfeição, e
fê-los descer do conhecimento à prática.
O fundamento dessa doutrina está na distinção entre a justa posse das riquezas e o seu legítimo
uso. A propriedade privada, já o dissemos mais acima, é de direito natural para o homem: o exercício deste direito é coisa, não
só permitida, sobretudo a quem vive em sociedade, mas ainda absolutamente necessária. «É lícito», diz S. Tomás de Aquino, «que o homem
possua propriedade. E é mesmo necessário para a vida humana.»
Agora, se perguntarmos em que é necessário fazer consistir
o uso dos bens, a Igreja responderá sem hesitações: «A esse respeito o homem não deve ter as coisas exteriores por próprias,
mas sim por comuns, de tal sorte que facilmente dê parte delas aos outros nas suas necessidades. É por isso que o Apóstolo disse:
Ordena aos ricos deste mundo... que dêem facilmente que comuniquem as suas riquezas».
Ninguém certamente é obrigado a aliviar
o próximo privando-se do seu necessário ou do de sua família; nem mesmo a suprimir do que as conveniências ou decência impõem à sua
pessoa: «Ninguém, com efeito, deve viver contrariamente às conveniências». Mas, desde que haja suficientemente satisfeito à necessidade
e ao decoro, é um dever partilhar o supérfluo com os pobres.
É um dever, não de estrita justiça, excepto nos casos de extrema necessidade,
mas de caridade cristã, – um dever, por consequência, cujo cumprimento não pode exigir-se por vias jurídicas. Mas, acima dos juízos
e das leis do homem, há a lei e o juízo de Jesus Cristo nosso Deus, que nos persuade de todas as maneiras a dar habitualmente esmola:
«É mais feliz», diz ele, «aquele que dá do que aquele que recebe», e o Senhor terá como dada ou recusada a si mesmo a esmola que se
haja dado ou recusado aos pobres. «Todas as vezes que tenhais dado esmola a um de meus irmãos é a Mim que a haveis dado».
Eis, aliás,
em algumas palavras o resumo desta doutrina: Quem recebeu da liberalidade divina maior abundância de bens, quer externos
e corporais, quer espirituais, recebeu-os para os fazer servir no aperfeiçoamento próprio e, simultaneamente, como ministro da
divina Providência, para utilidade dos outros: «quem tiver talento, trate de o não esconder; quem tiver abundância de riquezas, não
seja avaro no exercício da misericórdia; quem tiver um ofício para se sustentar, partilhe com o seu próximo a utilidade e o proveito
do mesmo».
(…)
O fomento da propriedade privada
33. O operário que receber um salário suficiente para acorrer com desafogo
às suas necessidades e às da sua família, se for avisado, seguirá o conselho que parece dar-lhe a própria natureza: aplicar-se-á a
ser parcimonioso e agirá de forma que, com prudentes economias, vá juntando uma pequena poupança, que lhe permita chegar um dia
a adquirir um modesto património.
Já vimos que a presente questão não podia receber solução verdadeiramente eficaz, se se não começasse
por estabelecer como princípio fundamental a inviolabilidade da propriedade privada.
Importa, pois, que as leis favoreçam o espírito
de propriedade, e o reanimem e desenvolvam, tanto quanto possível, entre as massas populares. Uma vez obtido este resultado,
será ele a fonte dos mais preciosos benefícios, e em primeiro lugar de uma repartição dos bens certamente mais equitativa.
A violência
das revoluções políticas dividiu o corpo social em duas classes e cavou entre elas um imenso abismo. De um lado, uma facção poderosa
porque rica, que, senhora absoluta da indústria e do comércio, torce o curso das riquezas e faz correr para o seu lado todos os mananciais;
facção que aliás tem na sua mão mais de um motor da administração pública. Do outro, a fraqueza na indigência: uma multidão com
a alma dilacerada, sempre pronta para a desordem.
Mas estimule-se a industriosa actividade do povo com a perspectiva da sua participação
na propriedade da terra, e ver-se-á nivelar pouco a pouco o abismo que separa a opulência da miséria, e operar-se a aproximação das
duas classes.
A terra produzirá logo tudo em maior abundância. O homem é assim: ao saber que trabalha naquilo que é seu redobra o seu
ardor e a sua aplicação. Chega a pôr todo o seu amor numa terra que ele mesmo cultivou, que lhe promete a si e aos seus não só
o estritamente necessário, mas ainda uma certa abundância. Não há quem não descubra sem esforço os efeitos desta duplicação
da actividade sobre a fecundidade da terra e sobre a riqueza das nações.
A terceira utilidade será a suspensão do movimento de emigração;
ninguém, com efeito, quereria trocar por uma região estrangeira a sua pátria e a sua terra natal, se nesta encontrasse os meios de
levar uma vida mais tolerável.
Mas uma condição indispensável para que todas estas vantagens se convertam em realidades, é que a propriedade
privada não seja esgotada por um excesso de encargos e de impostos.
Não é das leis humanas, mas da natureza, que emana o direito à propriedade privada; a autoridade pública não o pode pois abolir; o que ela pode é regular-lhe o uso e harmonizá-lo com o bem comum. É por isso que ela age contra a justiça e contra a humanidade quando, sob o nome de impostos, sobrecarrega desmedidamente os bens dos particulares.
Na realidade, falar em propriedade colectiva nos dias de hoje, tal como em fins do século
XIX, não é mais do que um sofisma. Tirando alguns baldios e algumas serranias sem préstimo, não há espaço para a propriedade de todos.
No que se torna a propriedade colectivizada é na propriedade privada comum da elite que detenha o poder e que a usará para os seus
fins próprios. É a prática do princípio: “é de todos mas não é para todos”. Esta situação dá à luta política um carácter mais feroz
visto que se torna também numa luta pela posse da propriedade.
Este é o primeiro facto a apontar. Porém, para além das considerações
económicas feitas, coloca-se o problema da propriedade no contexto do direito natural dando maior amplidão e segurança do que num
contexto de critérios de eficiência económica.
*
O Homem é um ser eminentemente gregário sem capacidade de sobrevivência
fora do ambiente colectivo. Se a propriedade privada pôde constituir-se foi precisamente porque a sua existência é do interesse da
colectividade, porque no exercício do seu egoísmo o indivíduo acaba sendo benéfico para os seus companheiros.
"O homem é anterior
ao Estado. Antes que este pudesse formar-se já o homem tinha recebido da natureza o direito de viver e proteger a sua existência." Nas
palavras de Herculano, “o liberal vê no Estado a cousa do indivíduo”.
*
“… atribuir-se esta terra banhada pelo suor
de quem a cultivou?” De facto, qual o interesse em colectivizar uma terra inculta, uma fábrica em ruínas, um pardieiro inabitável?
Nenhum! O que vale a pena é deitar a mão coisas que ganharam valor em resultado do esforço de alguém. O que suscita a cobiça dos demagogos
é uma fábrica moderna, bem equipada e com nome feito no mercado. Ou uma casa arrendada num prédio bem conservado pelos cuidados do
seu proprietário.
*
“Distinção entre a posse e o uso das riquezas”. Esta secção trata de uma matéria muito importante. O
respeito pela propriedade é do interesse público pois que a propriedade privada é uma fonte de criação de riqueza que a todos interessa
e, portanto, o direito de propriedade deve ser assegurado pela colectividade. Todavia, destes pressupostos deduz-se que o cidadão
não deve fazer um uso egoísta desse direito. A questão põe-se na mesma exacta medida em relação à propriedade intelectual, como se
põe em relação a aptidões que o cidadão possua. Por exemplo, o senso comum diz-nos que um grande cirurgião não deve servir-se desta
sua aptidão para fixar preços que possam ser considerados extorsionários. Porém daí até fixar-lhe os honorários vai um passo de gigante
que nos conduz depressa à tirania .
Esta tensão entre o interesse público e o interesse privado, pela dificuldade em caracterizar
o abuso dos direitos individuais, é a base para a espoliação de propriedade por parte do Estado. Este mesmo fá-lo-ia em relação aos
direitos intelectuais com a criação de um serviço nacional de saúde monopolista e um serviço nacional jurídico igualmente monopolista
se a repulsa dos cidadãos não fosse tão forte. Assim, a única forma de propriedade que é colectivizável é a propriedade física ou
as poupanças.
No entanto, Leão XIII põe as coisas na sua medida exacta. A única restrição qualitativa à liberdade de possuir
propriedade terá que ser de natureza moral. Sentindo-se tratado com equidade pelo Estado, a natureza gregária do indivíduo levará
este a buscar a aprovação da comunidade fazendo convergir o seu interesse individual com o interesse público. Porém, uma atitude espoliatória
permanente por parte do Estado afasta-se a sociedade deste desiderato.
*
“… é que a propriedade privada não seja esgotada
por um excesso de encargos e de impostos.” Está tudo dito, pois que esta é a forma moderna, sobretudo após a falência do colectivismo
como doutrina económica, pela qual os estatistas continuam a fazer avançar o seu programa.
FIM