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Reabilitação
Urbana Artur Soares Alves 15-fev-2018 Notas de preparação à intervenção no
debate de encerramento do II Encontro
Nacional Sobre Reabilitação Urbana e Construção Sustentável promovido
pelo iiSBE (16 e 17 de novembro de 2017) Vejamos
como o problema poderá ser encarado pelo proprietário, a partir de um exemplo
realista. Um quidam recebe
um apartamento devoluto, deixado pelo inquilino degradado devido a dezenas de
anos de uso e sem possibilidade de conservação. A ausência de conservação foi
o reverso do congelamento das rendas, durante 66 anos, ou 38, ou até 107
anos, conforme o ano de construção e a localização. Ver aqui. Neste
momento o proprietário ganhou um monte de problemas — uma casa velha,
impostos espoliatórios, etc. E o apartamento não
está em condições de ser arrendado, a não ser a indivíduos cujo comportamento
e modo de vida, as mais das vezes, indicam que tudo vai terminar numa ação de
despejo e uma dívida de sete a dez meses. Para encontrar um bom inquilino é
preciso reparar o desgaste de muitos anos de uso. A lista de intervenções não
é difícil de fazer: janelas, chão, cozinha modernizada, casa de banho,
instalação elétrica. Numa situação moderada podemos pensar num orçamento de
20.000 euros. Comecemos
por examinar o caso mais simples: o proprietário dispõe de 20.000 euros em
líquido. Se os investir na renovação do apartamento e o arrendar por 350
euros, ao fim de dez anos tem o investimento amortizado e uma remuneração de
17%. Tudo
isto, partindo do princípio de que tudo corre bem, não tem má sorte com os
inquilinos, nem grandes temporadas com o apartamento vazio. Em todo o caso,
17% dá uma margem grande para sobressaltos e ainda sobrará alguma coisa num
tempo em que os depósitos a prazo são remunerados al mejor a 1%. Também não complicaremos
o raciocínio com a parte fiscal, por 3 razões: (a)
O IMI
será pago em toda a circunstância. (a)
O investimento
(20 mil) é abatido à matéria coletável. (b)
As
rendas futuras pagam imposto. Portanto,
parece que o proprietário tem diante de si uma boa perspetiva de negócio,
porém, não se nota a atividade que se esperaria. E quando o negócio é bom mas
não há o correspondente interesse, é preciso saber por quê. Passemos a esta
questão. I. Contam-se
pelos dedos os proprietários que têm quantias desta ordem para investir. Em
todo o caso, com tal margem um empréstimo bancário é viável e, no entanto, os
bancos não parecem interessados neste plano de negócio. Além
disso, nenhum proprietário no seu perfeito juízo daria o prédio como garantia
do empréstimo, um azar momentâneo e tudo se perde; a renda deve bastar como
garantia. II. Uma outra
questão relevante é a quase eliminação da categoria de “senhorio”, devido ao
congelamento. Esta função não se improvisa, e embora se note o seu
crescimento, muita gente está a aprender com erros evitáveis numa sociedade
que tivesse evoluído sem distorções económicas. No
tocante aos prédios que necessitam de reabilitação, raramente os
proprietários (ou respetivos herdeiros) estão em condições psicológicas para
entrar em novos investimentos. As memórias recentes deixaram marcas profundas
e muito amargas. III. E no que
respeita aos proprietários mais ousados, seguindo a tradição que remonta,
pelo menos, ao século XIX, o Estado português cria inseguranças e incertezas
para quem quer fazer investimentos a longo prazo. Os dez anos que foram mencionados acima
não são o horizonte do investimento imobiliário. Os proprietários reais não
seguem estratégias especulativas, o investimento imobiliário é para 50 ou 100
anos. Prolonga-se para as gerações futuras e tem a ver com o conceito de família que “os do costume” pensam
poder desfazer sem fomentar, ao mesmo tempo, uma sociedade sem leis, nem
moral — ou é precisamente esse o
objetivo. IV. Nas
economias contemporâneas o Estado é frequentemente um fator de instabilidade,
um fator que qualquer investidor tem que ter em conta. Entre
1910 e 2012 — cento-e-dez anos — prevaleceu o congelamento das rendas
urbanas. Famílias foram espoliadas do rendimento da propriedade legitimamente
adquirida, a favor de uma classe média, ou até a favor de estabelecimentos de
luxo, médicos, ou bancos, & etc. Em 1912 —
unicamente devido ao estado de necessidade a que chegou o País, as rendas
congeladas foram parcialmente corrigidas. Parcialmente
significa que os novos valores já não são tão ridículos que mais não eram do
que “fazer pouco” dos proprietários. Mas a
normalização foi interrompida e um discurso anti-propriedade
saiu da lura em que se acoitara, e saiu com a virulência proporcional ao
tempo lá passado. Revisão da lei 31 de 2012, através da Lei 43/2017, de 14-jun, e esse imposto notável que é o Adicional do IMI
e cujo sentido é mais ideológico do que monetário. Há que reconhecer que o
Governo soube conter a fúria dos próceres da destruição do direito de propriedade,
mas o imposto ficou, com toda a sua irracionalidade. Amanhã
virá um novo equilíbrio das forças políticas e eventuais ataques à
propriedade e ao dinheiro nela investida. O proprietário está na posição do
gato escaldado, o dinheiro que venha a gastar na valorização da propriedade e
que permite a esta cumprir efetivamente a função social da oferta de
habitação, porventura esse dinheiro melhor seria gasto em consumo. Em boa
verdade, o autor nem sequer pretende causar alarme social aventando a possibilidade de
Portugal sair do euro. O euro
foi um sucesso num aspeto, a estabilidade da moeda. Mas dez anos é muito
tempo. E se Portugal sair do euro, o instinto do governo, seja qual for o
partido, é inflação seguida de congelamento das rendas. É outra maneira de
perder o investimento feito na reabilitação, a menos que haja um sistema de
financiamento bancário que previna este risco. Uma vez
que estamos a falar dos riscos criados pelo Estado, chama-se a capítulo uma
intervenção recente de uma Vereadora da Câmara de Lisboa, feita em nome do
Presidente. No dia 9 de novembro de 2017, no Laboratório N. de E. Civil foi
apresentado o programa Para Uma Nova
Geração de Políticas de Habitação. Diante de uma numerosa plateia
esmagadoramente composta por autarcas e técnicos de serviços públicos, a
Vereadora dedicou-se a um ataque em forma à Lei 31/2012, e discorreu sobre a
necessidade de a rever em favor dos inquilinos. Cada um
medirá o valor da ameaça contida nestas palavras. Contudo, uma coisa é certa,
pode levar-se o cavalo até ao rio, mas não se pode obrigá-lo a beber água.
Pode arruinar-se os atuais proprietários, mas não se pode obrigar ninguém a
fazer investimento no arrendamento. No mesmo dia 9 de novembro foi publicada a
Resolução do Conselho de Ministros nº 170/2017. Constitui uma comissão de 24
membros para estudar “uma
revisão do enquadramento legal e regulamentar da construção, de modo a
adequá-lo às exigências e especificidades da reabilitação de edifícios.”
Nesta comissão estão incluídos zero representantes
das associações dos proprietários cujos imóveis se considera necessário
reabilitar. V. Nestas
considerações não podemos ignorar o imposto sucessório, embora a ameaça de o
reintroduzir não se tenha concretizado, por agora. Voltemos
ao proprietário do apartamento devoluto e que obtém um empréstimo bancário de
20.000 euros para financiar o seu restauro. Podemos supor que o VPT do
apartamento é 120.000 euros, uma vez que o VPT não tem em conta o estado do
local. O
proprietário morre, a filha herda um apartamento, uma dívida ao banco e,
nesse momento tem que desencantar 24.000 euros para pagar o imposto
sucessório, a pronto. Estamos a supor que a taxa é 20%, decerto com um
imperdoável otimismo. É bem
conhecido o efeito destrutivo do imposto sucessório nos negócios familiares.
O motivo é simples, o herdeiro recebe um bem ilíquido e tem que pagar
urgentemente um valor líquido. Perante
esta perspetiva, qual é a atitude racional do proprietário? Deixar as coisas
como estão e o Estado que confisque um pardieiro sem valor, mas pelo menos
que não se deixe o herdeiro metido em sarilhos. VI. A decisão
mais produtiva é a venda do local a um empreendedor que tenha capital,
energia e competência para o valorizar. Porém, o
estado do local e os riscos inerentes ao negócio têm que ser compensados com
um preço de compra, muito provavelmente, abaixo do VPT. Em
matéria de transações imobiliárias não se costuma discutir o caráter
destrutivo do imposto sobre as mais-valias — sobretudo quando estas
mais-valias não existem na realidade. Devido ao valor de aquisição — herança
com base em matrizes desatualizadas — quase todo o valor da venda será
considerado como mais-valia. E não é o valor da venda, é o VPT que vai ser
muito superior à quantia efetivamente recebida. Num cálculo rápido,
juntando a comissão do mediador com o imposto sobre mais-valias, estima-se
que mais de 50% do valor da venda será perdido, ou dito de outra maneira, vai
para a “corda do sino”. Para quem
se guia por critérios unicamente económicos, receber 10 euros é melhor do que
receber nada. Porém, há nos seres humanos um inerente sentido de justiça e
temos que reconhecer que não há justiça na apropriação de metade da venda de
um apartamento que, além do mais, esteve sujeito durante dezenas de anos a
uma renda congelada. Por isso,
a menos que a situação seja desesperada o proprietário não vende. O
reconhecimento desta suposta irracionalidade da ação humana foi o tema do
prémio Nobel da Economia de 2017. O Estado, se está efetivamente preocupado
com o progresso económico dos cidadãos tem que ter em conta a natureza
humana. Outros
não pensam assim e querem mudar os homens, e qualquer método serve. São
opções que costumam acabar mal para a maioria, por vezes em campos de
concentração. No mínimo, a minoria que manda e prega a moral, engorda as suas
contas nos paraísos fiscais. VII. A forma
mais eficiente de conduzir os empreendimentos humanos é através da cooperação.
Os proprietários de quarteirões têm toda a vantagem em organizarem-se e
dispor da propriedade da forma mais rentável; por exemplo, reservando espaço
para estacionamento porque onde o automóvel não vai as pessoas também não
vão. Esta cooperação — mas forçada e espoliatória —
era o objetivo das SRUs; ver aqui. Não era moral e nem sequer lucrativo para os
seus promotores. A cooperação, para ser eficaz, tem que ser voluntária e
aproveitar a todos os participantes. Todavia,
não estamos a sugerir que dez proprietários de um quarteirão se juntem
espontaneamente e formulem um projeto de reabilitação à mesa do café. Todo o
empreendimento humano precisa de um líder, uma pessoa com um projeto e com carisma
que leve os outros a participar. Ao contrário do que pensam a maior parte das
pessoas que vivem da política (ou de escrever nos jornais) a liderança não se
legisla, é uma qualidade que se tem. Os governos apenas podem facilitar o seu
aparecimento e sucesso através de leis justas, ou podem prejudicá-los com
leis que suscitem a desconfiança nos cidadãos. O sucesso
ou o insucesso da economia dependem de pormenores, muito mais do que de uma
magnificente visão imperial. De facto, também Hitler quem tinha uma visão
imperial e veja-se no que resultou. FIM |
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