Imposto Municipal sobre Imóveis
Artur Soares Alves
23-Jun-2011
Nos finais de 2003, numa operação de tipo relâmpago foi reformada
a contribuição autárquica que passou a ter o nome de Imposto Municipal sobre Imóveis. Foi o decreto-lei 287/2003 de 12 de Novembro.
É verdade que havia muito que se tinha como urgente a reforma da contribuição autárquica devido à desactualização das matrizes. Porém,
sabemos que o significado político de tão súbita reforma foi dar às autarquias meios financeiros que lhes evitassem as dores da política
de austeridade que então era personificada na Ministra Manuela Ferreira Leite.
Isto significou um aumento da carga fiscal sobre
os Portugueses, pelo menos sobre aqueles que pagam impostos, em favor dos municípios. O actual programa de salvação das finanças portuguesas
prevê um novo aumento do IMI, em parte para compensar a diminuição do IMT.
No que respeita aos impostos que tombam sobre a propriedade
o mais absurdo de todos é o sucessório, felizmente abolido embora os Portugueses que possam vir a herdar tenham bons motivos de preocupação.
Porém, o Imposto Municipal sobre Imóveis ou imi também merece um lugar de destaque no panteão dos impostos absurdos. O imi é um imposto
sobre o património. De facto, é inegável que:
§ O imi é um imposto sobre as poupanças
passadas convertidas em propriedade imobiliária, e pagável ano após ano.
Isto é, se as poupanças passadas forem convertidas em ouro,
quadros, acções, ou forem depositadas num banco não pagam qualquer imposto enquanto não gerarem qualquer rendimento para o seu proprietário.
Porém se forem convertidas num terreno ou numa casa passam a pagar, gerem ou não rendimento.
Isto é a forma como Estado e os seus fiscalistas
vêm este imposto. A ironia provém do facto de que, visto sob outro prisma, faz sentido cobrar uma taxa municipal sobre os imóveis.
É esta questão que pretendemos tratar neste artigo.
O património é adquirido através de poupanças.
Por sua vez, a poupança é o que sobra ao cidadão após pagar as suas despesas e após liquidar o imposto que incide sobre o seu rendimento.
A tributação do património em geral é um regime em que a tributação do rendimento não liberta o cidadão da sua servidão perante o
Estado. Se o quidam não derreter tudo o que lhe sobra, se tiver a má ideia de guardar alguma coisa para as necessidades futuras,
o Estado retira-lhe uma fracção desse aforro em cada ano que passa.
Em Portugal isso não acontece, pelo menos por agora. O imposto
sobre o património incide apenas sobre a propriedade imobiliária. No fundo, a isenção de imposto sobre ouros, quadros, móveis, papel-moeda
apenas vem dar mais evidência ao absurdo do imposto sobre os imóveis. Se um cidadão compra uma habitação avaliada fiscalmente cem
mil euros é-lhe aplicado um imposto anual de 350 euros. Mas se um milionário adquirir um quadro por cem mil euros não terá que pagar
qualquer imposto anual.
O imposto sobre o imóvel é lançado após uma operação de avaliação deste, operação esta que resulta da aplicação
de fórmulas um tanto esotéricas que pretendem reflectir o “valor de mercado”. Chegado a esse valor o Estado cobra um imposto à taxa
actual de 0,35% e entrega o dinheiro ao município respectivo. Essa taxa vai aumentar.
Dada a vontade de aumentar a receita fiscal,
inevitavelmente, haveria de chegar-se a uma situação corrente hoje em dia — valor fiscal superior ao valor de mercado. Para esse problema
a solução é simples, a requerimento do seu proprietário o Estado comprará sem mais formalidades qualquer prédio pelo seu valor fiscal.
Dito isto põe-se a questão seguinte. Será que o proprietário urbano deverá ficar dispensado de
pagar qualquer taxa ao município, apesar das vantagens que goza por o seu espaço fazer parte da zona urbana? Afinal ele beneficia
da limpeza das ruas e do ordenamento do trânsito, pode passear nos jardins municipais, enfim, pode gozar gratuitamente de um conjunto
de bens públicos. De facto há uma diferença crucial entre um quadro que se pendura na parede e um prédio cuja porta abre para a rua.
A existência de um prédio é um factor de despesa para a colectividade.
Portanto, ou o cidadão beneficia directamente deste bom ordenamento
urbano, ou tira o benefício da valorização que sua propriedade, devido a este mesmo ordenamento. E este benefício tem que ser pago
através de uma taxa municipal que cubra as despesas que provoca à cidade, tal como já se paga a taxa de esgotos e de resíduos
e tal como já se paga as despesas do condomínio. Mas isso é uma ideia completamente diferente, é uma taxa que corresponde aos serviços
que o município lhes presta, nem mais nem menos.
Ninguém ficará ofendido se olharmos para a cidade como um extenso condomínio, escrupulosamente
administrado, e compreende-se melhor o que foi afirmado.
É certo que tudo isto põe um problema de quantificação, isto é, a taxa municipal
de um prédio situado na Expo não pode ser igual à taxa de um prédio situado em Chelas porque o primeiro recebe da parte da cidade
mais benefícios do que o segundo. Sem dúvida que é um desafio para os especialistas. Porém, estes não hesitaram em construir as fórmulas
esotéricas que dão o suposto valor a um prédio. Se estudarem um pouco mais lá chegarão a um preço equitativo a pagar ao município
pelo benefício que se recebe da parte deste.
Se o imi for visto como uma taxa que paga os serviços prestados ao imóvel, também acabam
as razões para isenção. De facto o imóvel em si-mesmo gera despesa, quer esteja habitado ou não, quer esteja para venda, quer seja
um monumento classificado ou um pardieiro em ruínas.
Contudo, o imi é outra coisa, é concebido como um imposto
sobre o património. E agora, só há três possibilidades:
· As receitas do imi são iguais aos
custos de gestão da cidade e a situação está em equilíbrio, restando saber se os dinheiros são bem administrados.
· As receitas do imi são inferiores aos custos de gestão da cidade. Se for claro que os dinheiros são bem administrados, então é necessário
aumentar o imposto enquanto taxa.
· As receitas do imi são superiores aos custos de gestão
da cidade. Neste caso há um excedente que o município usa de forma discricionária, seja para produzir bens de real interesse colectivo,
ou seja para trazer do Brasil uma vedeta da telenovela que será a rainha do Carnaval ou financiar clubes profissionais de futebol.
Esta
terceira situação não está bem. Quem quer acenar à vedeta da telenovela que pague para o efeito, quem quer ver futebol que pague o
seu bilhete. Não somente o excedente que foi pago pode ser usado para fins fúteis, como pode ser usado para fins nocivos inculcando
ideias na juventude que mais tarde — perante as realidades da vida — se transformam em desilusões, revolta ou comportamentos disfuncionais.
É aqui que conduz frequentemente a busca da popularidade pela popularidade.
Por detrás disto há uma perversão que consiste em desvalorizar
a boa e competente administração autárquica em favor da política.
Ao nível do Estado é muitas vezes impossível controlar os desperdícios.
Por que o Estado assegura funções em regime de monopólio natural — como a Defesa nacional, a segurança interna, a justiça — é muito
difícil, ou mesmo impossível, quantificar o valor económico das actividades inerentes. Diante dessa impossibilidade, a única atitude
racional é reduzir a intervenção do Estado àqueles sectores que não podem ser exercidos pelos particulares.
Nesse sentido é uma má
ideia permitir que os municípios se transformem em micro-estados porque isso prejudica a boa gestão dos dinheiros públicos.
A Ministra que reformou o imi não inventou nada. As autarquias querem dinheiro? Pois vamos buscá-lo à propriedade
imobiliária porque aí ele é fácil de colher. Em 1929,
Teremos que reconhecer que a identificação entre um concelho e um condomínio é simplista,
demasiado simplista mesmo. Um concelho é uma área com capacidade para uma certa autonomia estratégica que lhe permita competir com
outros concelhos no sentido de criar melhores condições de vida para quem lá vive. É esta a componente política admissível nas autarquias
e já não é pequena. Um concelho que gere mais riqueza deve ter direito a aproveitar uma maior fatia da receita fiscal.
As autarquias
deveriam passar a ter uma percentagem significativa do IRC e do IRS gerado pelas actividades económicas do concelho. Se houvesse muitas
empresas e produtivas, os municípios seriam ricos; se houvesse poucas empresas os municípios seriam pobres. Se fosse assim, logo veríamos
os municípios a tomar iniciativas para atrair empresas que fossem competitivas e ficassem para sempre, em vez de comerem os subsídios
e zarparem.
Acima de tudo isso significa investir no capital humano. Significa fomentar a formação profissional, o espírito de iniciativa,
o orgulho e a dignidade do trabalho bem feito. Significa suprimir os actos da administração e da burocracia — e são tão numerosos!
—que emperram o funcionamento da economia.
E então teríamos autarquias mais ricas, clubes na primeira divisão, o País mais rico sem
ser necessário ir buscar receitas a quem não pode defender-se.
Ou haverá ainda quem pense que a riqueza das nações se consegue a cantar
as janeiras?