Cartório Notarial
Alexandre Oliveira Perdigão, notário
10-Nov-2011
No início deste ano fui contactado por António
Frias Marques, presidente da direção da A.N.P. – Associação Nacional de Proprietários, que me desafiou a colaborar na publicação periódica
da responsabilidade desta entidade A Propriedade, mediante a elaboração de textos sobre assuntos com interesse para os seus associados.
Decidi
aceitar o convite, que muito me honra, por um lado devido à estima que tenho por António Frias Marques e, por outro, pela minha ligação
quase sentimental com a ANP. Com efeito, tive a felicidade de fazer nascer esta associação, ao lavrar a respetiva escritura de constituição,
em Outubro de dois mil e sete, e tenho acompanhado com interesse o seu crescimento.
Por estas razões, a anuência afigurava-se-me
uma opção tão natural como obrigatória.
A função notarial: Quem é e o que faz um notário?
Mesmo assumindo o risco de ser
fastidioso, não poderia começar sem deixar algumas notas sobre a figura do notário e as respetivas tarefas.
A nossa lei define-o
como o jurista a cujos documentos escritos, elaborados no exercício da sua função e aos quais dá forma legal, é conferida fé pública.
Essa fé pública traduz-se na força probatória plena dos mesmos, ou seja, na impossibilidade de serem postos em causa, em última análise
em juízo, quanto aos factos que atestam, salvo sob alegação de falsidade.
A par disso, o notário pode prestar assessoria às partes
na expressão da sua vontade negocial, sendo simultaneamente um oficial público que confere autenticidade aos documentos e assegura
o seu arquivamento, e um profissional liberal, que atua:
· de forma independente
em relação ao Estado e a quaisquer interesses particulares;
· de forma imparcial,
devendo manter equidistância relativamente a interesses particulares suscetíveis de conflituar e abster-se, designadamente, de assessorar
apenas uma das partes interessadas num negócio; e
· por livre escolha dos interessados.
O
notário exerce as suas funções em nome próprio, sob sua responsabilidade e com respeito pelo princípio da legalidade, incumbindo-lhe
apreciar a viabilidade de todos os atos que lhe são requeridos, verificando, em especial, a legitimidade dos interessados, a regularidade
formal e substancial dos documentos que lhe são apresentados e a legalidade substancial do ato solicitado. Como tal, o notário tem
o especial dever de recusar a prática de atos nulos ou relativamente aos quais tenha dúvidas sobre a integridade das faculdades mentais
dos respetivos intervenientes.
Compete-lhe, assim, redigir o instrumento público conforme a vontade das partes, a qual deve indagar,
interpretar e adequar ao ordenamento jurídico, esclarecendo-as do seu valor e alcance.
Ora, para além dos atos comummente associados
à figura do notário, como sejam:
· Lavrar atos relacionados com testamentos;
· Lavrar
outros instrumentos públicos — escrituras e documentos avulsos, designadamente procurações;
· Exarar
termos de autenticação em documentos particulares, de reconhecimento da autoria da letra com que estão escritos ou das assinaturas
neles apostas;
· Certificar, ou fazer e certificar, traduções de documentos;
e
· Extrair certidões de documentos arquivados e públicas-formas dos que, para
esse fim, lhe sejam presentes.
Há que não esquecer outras atribuições, designadamente:
· Promover registos;
· Passar certificados de quaisquer factos que haja verificado;
· Lavrar instrumentos de atas de reuniões de órgãos sociais; e, em geral,
· Intervir
nos atos jurídicos extrajudiciais a que os interessados pretendam dar garantias especiais de certeza ou de autenticidade.
A par
da progressiva erosão, com especial ênfase no âmbito do programa Simplex, do núcleo duro das atribuições histórica e exclusivamente
associadas à função notarial, encabeçada pelos atos relacionados com bens imóveis, tem-se assistido, nos tempos mais recentes, à opção
política de recentrar a figura do notário como um dos pilares da administração da justiça, aproveitando as características que os
distinguem das demais profissões jurídicas, nomeadamente a sua faceta de oficial público, e a rede de cartórios notariais de âmbito
nacional para alargar as suas competências:
· À intervenção em processos
de inventário, de despejo, de mediação e de arbitragem;
· Ao arquivo digital
de documentos;
· À liquidação de impostos e apresentação de declarações fiscais
por via electrónica, a solicitação do contribuinte, tendo em conta os negócios jurídicos celebrados ou a celebrar.
· À
promoção de registos e prática de atos relacionados com a propriedade industrial.
Sinal dos tempos, é espinhosa, pese embora
aliciante, a tarefa dos notários de adaptação aos novos desafios e de reimplantação da sua imagem de pilares do sistema de justiça
preventiva junto dos cidadãos e empresas.
Nada, porém, que esteja para lá do seu alcance.
Continua…