Alberto Silveira
29-Dez-2011
Durante gerações a maior parte das pessoas acreditou
que ter uma casa própria para viver era uma coisa boa. Franklin Roosevelt, antigo presidente dos Estados Unidos da América (EUA),
afirmou que “um país de proprietários da sua própria casa é inconquistável”. Acreditava-se que possuir casa própria era um caminho
para transformar a nação criando estabilidade social e financeira, maior envolvimento dos cidadãos, vizinhos seguros e crianças com
melhor aproveitamento na escola.
Os governos despenderam biliões todos os anos em subsídios e isenção de impostos para encorajar
as pessoas a comprar casa.
Efectivamente, antes de nos EUA ter rebentado a bolha imobiliária, os possuidores de andares estavam
sempre a ganhar.
No entanto, a partir do momento em que se constatou que o bem adquirido por 1.000 não valia nem 500, instalou-se
o pânico e as pessoas interrogaram-se de qual a lógica de continuar a pagar por conta dos 1.000 quando ao lado se estava a vender
a mesma coisa por metade do preço. Espanha com um rendimento per capita de US dólar 34.144 é o país do mundo com mais famílias proprietárias
do seu andar, numa percentagem de 89,1% enquanto que a Suíça, curiosamente com um rendimento per capita de US dólar 73.798, país harmonioso
e desenvolvido, se situa no extremo oposto com apenas 34,6% da população detentora da propriedade da casa em que vivem.
Quanto
a “inconquistável”, na Suíça todos os homens se consideram ao serviço das Forças Armadas até aos 65 anos, dispondo na sua residência
da arma que lhes foi atribuída!
Os EUA encontram-se a meio da tabela com 67,8% da população proprietária da sua casa, enquanto
que em Portugal, com um rendimento per capita de US dólar
Liberdade de circulação
Os
três pressupostos do Tratado de Roma, que deu origem à Comunidade Económica Europeia (CEE) hoje União Europeia (EU) são: Livre circulação
de pessoas, mercadorias e capitais. Acreditamos na liberdade efectiva de circulação das mercadorias e dos capitais, mas quanto às
pessoas, aquelas que compraram o andar em que vivem, observamos o espartilho em que se encontram.
Se moram por exemplo no Porto
e surge uma oportunidade de emprego em Coimbra, o que fazer à habitação que ainda se está a pagar, com isenção de impostos durante
8 anos, obrigatoriamente para residência do comprador?
Liberdade de circulação é estar livre da canga que lhe puseram ao pescoço,
entregar a casa ao senhorio e, amanhã mesmo, apresentar-se no seu novo local de trabalho!
A construção desenfreada originou que muitas
urbanizações recentes, de norte a sul, se encontrem às moscas, sem habitantes.
À volta das grandes cidades construíram-se bairros
onde a qualidade de vida fica inexoravelmente condenada pelo tempo gasto nas distâncias entre a casa e o trabalho. A mobilidade ficou
hipotecada a ir e vir de carro num círculo de alguns quilómetros à volta da casa e da sua hipoteca.
Perderam-se também as poupanças
consumidas na voragem do sonho da casa própria — “o meu andar”.
E a taxa oficial de incumprimento dos empréstimos para habitação
é bastante elevada.
Vamos construir um País mais harmonioso
Fala-se muito de crise, mas segundo os últimos dados conhecidos,
Portugal é o terceiro país da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), só superado pelo México (campeão) e Turquia
na desigualdade de rendimentos da população.
No extremo oposto, com maior igualdade de rendimentos, encontra-se a Dinamarca
(o mais igualitário), Suécia e o Luxemburgo. Em qualquer um destes países a população não foi sujeita a uma publicidade agressiva
tendente a adquirir casa própria.
No nosso país, mercê de vários factores, as famílias foram encaminhadas para esse pesado encargo
que, agora se verifica, grande parte delas não pode suportar. Além de, passados os primeiros 5 anos de garantia do imóvel começarem
a aparecer as mazelas que requerem conservação. Também o Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) vai ser uma desagradável surpresa,
no fim dos 8 anos da isenção, acompanhado da Taxa de Saneamento ou de Conservação de Esgotos.
Outra realidade: senhorios particulares
Por
outro lado, no centro das cidades, verificamos a degradação do parque imobiliário que surge como consequência directa do congelamento
das rendas decretado em 1948 para Lisboa e Porto e estendido a todo o país em 1974. Este congelamento foi feito para proteger os inquilinos
que passados 60 anos pagam rendas, que na maioria dos casos não chegam para liquidar o IMI, quanto mais para fazer manutenção.
Os aumentos
estabelecidos pela lei 46/85 são irrisórios e inclusivamente para o ano de 2010 foram zero.
O Novo Regime do Arrendamento Urbano
(NRAU) de 2006 criou uma teia de burocracia que no fim deixa tudo na mesma.
Os senhorios continuam sem capacidade económica para
fazer reparações e se as fizerem é porque foram buscar o dinheiro a outro lado.
Quantos não se hipotecaram para poder acudir
ao prédio?
Portugal enfrenta hoje uma dívida externa de mais de 120 por cento do Produto Interno Bruto (PIB) — tudo o que se
produz em bens e serviços durante um ano. É um cenário de tragédia económica e financeira.
Construiu-se mal e demais.
Vem
aí uma pesada factura para pagar.