Três Problemas Reais
Artur Soares Alves
5-Jan-2012
Acabámos de entrar em 2012 e, pese embora o compreensível
optimismo de quem governa, todos sabemos que vamos entrar finalmente na CRISE. E como as almas que entram no inferno também sabemos
que vamos ficar por um período de tempo que, para muitos Portugueses, equivale à eternidade.
Lasciate ogni speranza, voi ch'entrate.
Perdei a esperança, vós que entrais (Dante).
Os impostos acrescidos, o desemprego, o corte de subsídios são um processo circular que se alimenta si-mesmo, numa espiral que nos aproxima imparavelmente da pobreza[1]. No entanto, o que é normal é que a riqueza cresça mesmo lentamente, o normal é que de um ano para o outro se viva com maior desafogo material. E isso é normal porque o nosso cérebro vai espontaneamente descobrindo maneiras mais eficientes para realizar as tarefas necessárias e, ao contrário dos recursos naturais, a nossa inteligência não se esgota — pelo contrário, ela funciona de modo cada vez mais eficiente. Isto é outra maneira de dizer que em circunstâncias normais a produtividade do trabalho aumenta.
Enriquecer é o processo natural quando os indivíduos são
livres de procurar o que melhor lhes convém. Portanto, se se aproximamos a passos largos da pobreza, se acreditamos que não se trata
apenas de um mau quarto de hora, então só podemos concluir que algum factor interferiu gravemente com a normalidade do progresso económico.
Se tivéssemos que indiciar esse factor nós apontaríamos a tirania da maioria, devidamente estruturada pela classe política. Tem estado
na moda a tese do “julgamento” dos políticos que nos governaram, esquecendo-se de que eles foram eleitos. Se pudesse haver julgamento
o réu teria que ser essa maioria que, contra o senso comum, acreditou na possibilidade de uma vida materialmente folgada sem o trabalho
correspondente.
Dada a confusão que se acumulou durante anos não podemos esperar que o senso comum prevaleça nos anos mais próximos.
Porém, podemos com serenidade compreender como viemos parar a esta situação e esperar que a pobreza colectiva seja a motivação para
eliminar os factores de retrocesso.
Empreendedores
Todos nós, na prática diária, estamos permanentemente a melhorar a nossa
produtividade. Porém, há entre nós indivíduos dotados de inteligência, visão, vontade, iniciativa, capacidade para correr riscos;
e com ambição para dar seguimento a estas capacidades. São indivíduos com capacidade para detectar necessidades económicas futuras
e para antecipar a evolução da economia. São os empreendedores quem provoca o progresso económico oferecendo no mercado produtos e
serviços de que este apenas tem uma necessidade latente.
O empreendedor aposta sobre o futuro, o que significa que pode enganar-se.
Por isso a capacidade de correr riscos é decisiva no caráter do empreendedor. Se se enganar pode perder tudo, se acertar pode fazer
fortuna.
Os socialistas já perceberam o valor do empreendedor, ao ponto de se criarem ultimamente cursos de “empreendedorismo”.
Como se fosse possível incutir na mente de um cidadão as características que o tornariam num empreendedor… Em todo o caso, empreendedor,
para esses mesmos socialistas, são Steve Jobs ou Bill Gates (este já nem tanto). Nunca o snobe intelectual reconheceria como empreendedor
o pequeno agricultor que investe numa carroça para vender os seus produtos à beira da estrada. Ou o pedreiro que identifica uma oportunidade
na subcontratação e se lança com dois ajudantes a aplicar ladrilho. Pensa o snobe que se Portugal tiver que aceitar o empreendedor,
que o seja na indústria aeronáutica, nas tecnologias da informação, no grande turismo, na produção de artigos de luxo, na alta finança.
O homenzinho que quer criar o seu negócio, em vez de trabalhar como empregado devidamente sindicalizado, esse homenzinho é um subversivo
que quer destruir a ordem hierárquica socialista.
Quem já assistiu à pesporrência com que este homenzinho é tratado pelos serviços
do Estado[2] percebe o que se quer dizer. Como explicaria ainda melhor Robert Heinlein[3]:
Através da História, a pobreza foi
sempre a condição normal do Homem. Os avanços que permitiram a excepção — aqui e ali, agora e logo — resultaram do trabalho de uma
minoria extremamente pequena, frequentemente desprezada e condenada, e quase sempre em oposição às pessoas bem pensantes. Sempre que
esta pequena minoria é impedida de criar, ou como acontece por vezes é ostracizada, a sociedade então escorrega para a miséria. A
isso chamam má sorte.
Gente com iniciativa há muita, mas o empreendedor só é factor de progresso económico quando é “escravo”
do consumidor, isto é, quando ganha dinheiro (muito ou pouco) por vender ao consumidor aquilo que este livremente quer comprar.
Contudo,
o empreendedor vive no seu tempo e no seu espaço e estes determinam a acção daquele. Em todas as gerações nascem indivíduos com as
características do empreendedor mas que, num contexto determinado, podem ser canalizadas para acções ilegais. Pelo que conta a imprensa
sobre um certo negociante de sucatas, este mostrou precisamente possuir as características do empreendedor. Porém, a sua riqueza não
se formou devido aos serviços que prestou aos cidadãos em regime de liberdade contratual, mas sim conseguindo para si uma fracção
daquilo que o Estado arrecada anualmente sob a forma de impostos. Ele viu no funcionamento do Estado uma oportunidade para o seu negócio.
Quem sabe se noutro tempo ou noutro lugar as coisas não teriam seguido um outro rumo?
O que a maioria terá que decidir é se
é legítimo que o Estado continue a dificultar a vida ao empreendedor através de impostos, regulamentos, incerteza da Justiça, obstáculos
de toda a espécie, até mesmo a hostilidade dos agentes desse mesmo Estado. Enquanto assim for, os melhores dentre os Portugueses irão
demandar noutros países as oportunidades que a Pátria lhes nega. A sua iniciativa e a sua ambição irão servir outras economias, coisa
que os nossos governantes teimam em não perceber.
Poupança
O empreendedor é provavelmente o resultado de uma combinação
genética aleatória. Ele pode nascer em qualquer sociedade mas não pode florescer em qualquer sociedade. Para além do ambiente propício
aos negócios que o trate com equidade, o empreendedor precisa de capital. Pode ser muito ou pode ser pouco, mas nenhum negócio pode
criar-se sem capital. Antes de o negócio começar a render o empreendedor precisa de lá colocar recursos, quanto mais não seja para
se sustentar e à sua família.
Donde vêm esses recursos? Seja qual for o canal que os conduza, esses recursos só podem ser provenientes
da poupança. A poupança é o sacrifício do consumo neste momento a favor de um consumo futuro, a poupança é o resultado de um acto
de prudência que se torna um acto virtuoso do ponto de vista económico.
Porém, se Portugal é hostil ao empreendedor é-o muito
mais em relação ao aforrador. Desde a inflação a impostos sobre rendimentos (que não existem) de capitais, tudo contribui para privar
o aforrador do valor da sua poupança. E se caiu na tentação de converter as suas poupanças em locais de arrendamento, proporcionando
espaço de habitação às famílias ou capital ao comércio, então é melhor nem falar para não aumentar o desespero no tempo em que começa
a era da crise indesmentível.
Se o empreendedor pode defender-se cessando a atividade, o aforrador é um alvo imóvel à espera
da expropriação.
Alguém se esforçou para convencer os Portugueses da virtude do consumo sem restrições, e estes comportaram-se
como aprendizes entusiastas desta “nova” economia. Fecharam-se as fábricas e abriram-se shoppings, fecharam-se oficinas e abriram-se
lojas. O produtor deu lugar ao consumidor e o aforrador tornou-se num pária que supostamente não deixa o dinheiro circular e não aumenta
a receita fiscal…
O quadro descrito vai contra o senso comum e deveria ser rejeitado pelo eleitor. Por outro lado, por que não
acreditar em milagres, sobretudo se o resultado é simpático?
Capital humano
A poupança fornece o capital que permite ao
empreendedor iniciar o seu negócio. Nalguns negócios o capital inicial é pequeno e o único trabalhador é o próprio empreendedor. Porém,
para o negócio crescer e alcançar níveis elevados de produtividade é preciso contratar trabalhadores assalariados. Isto é, é preciso
juntar recursos em capital humano.
O capital humano é constituído por indivíduos munidos de competências e com a atitude adequada
para o progresso da empresa em que trabalham. Para ser específico, a atitude do trabalhador que acorda a resmungar porque se julgaexplorado pelo patrão reflete-se numa baixa produtividade e é mais um factor de atrito para a economia.
As competências específicas
adquirem-se na prática do trabalho por imitação dos colegas mais experientes. As competências básicas são fornecidas na escola a qual
pode também ensinar a atitude, conjuntamente com a família. É um dos problemas trágicos do nosso tempo. O tempo típico passado na
escola foi multiplicado por três mas isso não parece ter um efeito positivo na produtividade da mão-de-obra nacional. Pode mesmo afirmar-se,
sem que os factos o desmintam, que o tempo passado na escola tem um efeito negativo em termos económicos. A instrução é cada vez mais
pobre e a educação não é apropriada à disciplina do trabalho, nem à moderação nos hábitos, nem aos valores morais apropriados ao progresso
económico.
A escola poderia fornecer os conhecimentos e incitar as atitudes que fomentam a produtividade. Por uma perversão do
processo de “democratização do ensino” este transformou-se, na imaginação colectiva, num meio de aceder a uma aristocracia que está
dispensada do trabalho servil.
Por certo que quem incita os Portugueses a emigrar nunca teve tempo de reflectir nestas realidades.
São os melhores quem emigra, logo, a emigração priva a Pátria dos seus melhores. O país, qual fábrica de louça, manda para fora as
peças de primeira e guarda o pior. Fomentar a emigração é fomentar o abaixamento da qualidade do capital humano.
* * *
Em síntese estão formuladas realidades que é impossível contornar ou ocultar, por maior que seja o esforço. A retórica do sucesso
sem trabalho produtivo conduziu-nos até à situação presente, agora cumprem-se os fados e a desesperança floresce. Maior é a desesperança
naqueles que mais acreditaram nos mitos económicos que foram propagados nos últimos 40 anos.
Todavia, os argumentos acima expostos
não são palavras de desesperança e se forem alguma coisa que o sejam de lucidez. Ao tempo do desespero seguir-se-á a compreensão dos
erros e o valor e a dignidade do trabalho. Os falsos profetas que, contra o senso comum e os ensinamentos da história e da tradição,
anunciaram um mundo de conforto sem esforço serão desprezados. Pode demorar toda uma geração, mas lá iremos.
[1] Espiral
da pobreza. No centro da figura está a miséria. A vermelho está representado o caminho que a sociedade segue quando predominam políticas
que, provocando mais pobreza, suscitam o empobrecimento da sociedade. Se estas políticas não forem invertidas o destino final é irreversível.
Não se leia aqui uma censura às medidas recentes do Governo, o que há é o reconhecimento da evidência de que as políticas anteriores
vão prosseguir, sem sequer um esforço para identificar as causas dos problemas que nos afligem.
[2] Esta é uma afirmação de caráter
genérico. Toda gente tem experiências de bom atendimento por parte de funcionários, seja qual for o serviço. Para o autor isso prova
que genericamente os indivíduos são pessoalmente decentes e que se encontra gente de muita qualidade em todo o lado. Porém, isso não
desmente a hostilidade do Estado para com o empreendedor e o agente económico em geral.
[3] Robert Anson Heinlein (1907 –1988) was
one of the most popular, influential, and controversial authors of science fiction of the 20th Century: