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Avaliações Fiscais: a Tragédia das Lojas Vazias

 

Artur Soares Alves

5-Abr-2012

 

 

O processo das avaliações fiscais é, neste momento, uma prioridade da Administração Fiscal. Aplicando a fórmula contida no artigo 38º do Código do IMI[1] de 2003 (com pequenos aperfeiçoamentos posteriores) os avaliadores vão atribuir a cada prédio um Valor Patrimonial Tributário (VPT) que vai servir de base ao cálculo do IMI no próximo ano. O imposto vai ser 0,5% do VPT.

 

Graças a estas operações espera o Governo aumentar pesadamente a receita fiscal da propriedade urbana. O processo tem passado despercebido, o que significa que esta nova carga fiscal não vai pesar sobre quem tem poder sobre os jornais e na TV. Caso contrário já teríamos visto títulos incendiários, como este do Expresso de 2004 que se reproduz somente como exemplo.

 

No entanto, este processo tem desde a sua origem muitos problemas como o assinala com invejável clareza o Eng.º Freitas Lopes num artigo recente. Criada em 2003 a fórmula que dá o VTP do prédio deveria conduzir a um valor entre 70% e 80% do valor de mercado. Isto é o mesmo que dizer que, mesmo para flutuações significativas nos preços do imobiliário, o VPT ficaria sempre abaixo do valor de uma eventual transação.

 

O valor de mercado

 

Há razões para temor sempre que os agentes do Estado falam em “mercado”. De facto, o mundo das transações voluntárias de bens entre particulares (o mercado) é muito diferente do mundo das leis. É um facto que as Finanças conhecem os valores das transações dos prédios e podem ter uma ideia aproximada do preço de um imóvel com x anos de idade, y metros quadrados e situado no local Z. O Ministério das Finanças conhece esta informação com mais rigor do que outra qualquer organização, pública ou privada.

Porém, o que esta informação tem de mais caraterístico é que ela é informação histórica. Ela diz respeito a transações passadas, não nos diz nada sobre o futuro, nem mesmo sobre o presente. Nem nos diz nada sobre as condições em que as transações foram efetuadas. Ora, nas circunstâncias vigentes em 2003 havia fatores que muito se alteraram, nomeadamente, a procura, a oferta e o crédito.

 

Estas alterações, sobretudo no crédito, reduziram drasticamente o número de transações e baixaram os preços. Quando número de transações se reduz tão drasticamente já nem se pode mesmo falar em mercado. A racionalidade da fórmula estalecida em 2003 cai assim pela base. Contudo, esta fórmula está a ser aplicada, conduz a um VPT, deste valor calcula-se o IMI e o proprietário terá que pagá-lo, tenha ou não rendimentos para tal.

 

Como sabemos há um excedente de casas para vender. Todos os dias há famílias a entregar a sua habitação ao banco por falta de capacidade para pagar as hipotecas. Com um sentido de oportunidade que só revela acuidade comercial, uma mediadora criou um serviço para as famílias que estão com dificuldades para pagarem as suas hipotecas, antes que se dê a execução.

 

Todavia, se executada a hipoteca o banco vai vender a casa por “qualquer” preço para reduzir as suas perdas. O valor médio das transações vai cair ainda mais, em razão de uma oferta excessiva e da dificuldade de crédito. Como se verifica por avaliações já conhecidas o VPT vai estar acima — nalguns casos muito acima — do valor de venda no caso em que esta venha a efetivar-se.

 

O mesmo se aplica ao arrendamento cujo valor estará abaixo da proporção com o IMI a pagar. Tudo isto será dramático, quer seja na habitação própria, quer seja no arrendamento, mas a verdadeira tragédia vai cair sobre as lojas vazias.

 

A prioridade ao consumo

 

Neste site e noutras ocasiões foi dito que a economia portuguesa dos últimos 30 anos se baseou no imobiliário e no consumo de bens importados. Como o consumo é o sinal mais visível da prosperidade, o eleitorado viveu feliz com o poder de compra que a adesão à Europa (em 1985) proporcionou. Este poder de compra foi mantido ao longo do tempo graças à generosidade da Europa e, quando esta se tornou insuficiente, recorreu-se aos empréstimos externos que agora nos sufocam.

 

Havendo procura o mercado respondeu com oferta e por todo o lado se abriram lojas de todo o tipo, destinadas a vender sobretudo produtos importados. A própria construção dessas lojas fazia parte da vertente do imobiliário a que se aludiu acima. Assim, o Estado português endividava-se para injetar na economia quantidades de dinheiro que alimentavam o consumo, davam emprego e mantinham uma ilusão coletiva de prosperidade e progresso. Graças a isso também os Portugueses podiam consumir os mesmos bens que os Franceses…

 

Hoje em dia podemos encontrar apelos à poupança e contra "muitos anos na letargia do consumo fácil"; ver aqui ou aqui. Todavia, ainda recentemente a virtude estava no consumo para manter o dinheiro em movimento.

 

O emprego proporcionado pelo comércio quadrava bem nesta economia. Por via das reformas educativas iniciadas em 1971 e aprofundadas nos anos que se seguiram — sempre destinadas a manter o eleitorado feliz — chegámos ao zero escolar ou perto disso. O nosso capital humano é ineficiente, quer por ignorância técnica quer pela atitude perante o trabalho. Esta mão-de-obra não serve para produzir competitivamente bens transacionáveis num mercado internacional, mas executa razoavelmente as tarefas simples da venda de bens de consumo corrente. 

 

Portanto, não fora a desconfiança dos credores[2], todos estes fatores viveriam na mais perfeita harmonia e a felicidade do eleitorado estaria garantida.

 

A questão é que agora a roda começou a girar ao contrário. O Estado não injeta dinheiro na economia, o que o Estado faz é retirar dinheiro da economia através de baixas de salários e de aumento de impostos

 

O downsizing

 

Os cidadãos, tendo menos dinheiro e mais incerteza quanto ao futuro, consomem menos. Muitos negócios simplesmente fecham porque os produtos vendidos deixaram de ter procura. Outros negócios seguem a via do downsizing. Aqui está uma palavra fina para descrever o cabeleireiro que fecha o salão, despede os empregados e passa a atender os clientes na própria casa; ou o contabilista que passa o seu escritório para a mesa de sala de jantar.

 

O resultado é visível para quem anda na rua e se depara com contínuos de lojas fechadas, as montras sujas e o correio não recolhido estendido pelo chão. Os escritórios vazios estão mais escondidos mas um observador atento não deixa de reparar neles.

 

E é neste contexto que o Governo vai aumentar pesadamente o IMI, subindo a taxa para 0,5% e reavaliando os prédios. Pergunta-se como vai ser com estas lojas vazias para as quais não existe procura, porque a economia baseada no consumo de bens importados esgotou-se. O que era previsível para qualquer pessoa dotada de senso comum. Estes espaços estão destinados a ficar vazios durante muitos anos — sem proporcionar qualquer rendimento aos proprietários. A questão legítima é saber onde irão estes buscar dinheiro para pagar o IMI. Ainda por cima a triplicar.

 

A outra questão é saber com que fundamento se atribui valor a um bem que não tem procura porque nem baixando as rendas até ao valor do IMI se pode encontrar quem arrende a loja. Afinal, os proprietários não se ativeram ao consumo fácil, pouparam e investiram e agora o País trata-os assim.

 

erro do imposto sobre o património

 

Mas o mais interessante é que o imposto sobre o património é uma dupla tributação porque o património resulta de uma poupança feita a partir de receitas que já pagaram imposto. Isto já foi reconhecido por John Stuart Mill e autores anteriores. Sobre o assunto falaremos em artigo posterior.



[1] Artigo 38º

Determinação do valor patrimonial tributário

1 — A determinação do valor patrimonial tributário dos prédios urbanos para habitação, comércio, indústria e serviços resulta da seguinte expressão:

Vt = Vc×A×Ca×Cl×Cq×Cv

em que:

Vt = valor patrimonial tributário;

Vc = valor base dos prédios edificados;

A = área bruta de construção mais a área excedente

à área de implantação;

Ca = coeficiente de afectação;

Cl = coeficiente de localização

Cq = coeficiente de qualidade e conforto;

Cv = coeficiente de vetustez.

Ver o decreto-lei aqui.

[2] À primeira vista, os grandes banqueiros internacionais que emprestaram a certos países são mais ingénuos do que qualquer merceeiro de antigamente. Geralmente as mercearias faziam crédito à semana aos seus fregueses certos. Mas nenhum merceeiro faria crédito por um valor superior ao rendimento da família. Mas, que sabemos nós?

 

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O Expresso em 2004 publicava esta mentira