Área Metropolitana de Lisboa: que Estratégias?
Rui Barreiros Duarte
Professor Catedrático da Faculdade de Arquitetura da
Universidade Técnica de Lisboa
05-Jul-2012
A área metropolitana de Lisboa reflete acentuados desequilíbrios regionais,
a não existência dum modelo que perspetive a sua sustentabilidade e competitividade, a falta de projetos integrados que envolvam a
qualidade da paisagem humanizada, rentabilizem os recursos energéticos e potenciem a mobilidade.
Apesar dos exemplos europeus,
a região da Grande Lisboa enreda-se numa conurbação de cidades-subúrbios incapazes de se tornarem competitivas, de gerarem emprego,
coesão social e qualidade de vida, traduzindo uma falta de modelos de referência e de teorias.
As acessibilidades regionais são
um fator determinante do desenvolvimento, mas não se compadecem com as indefinições de traçado e localização das grandes infraestruturas,
enunciando a ausência dum pensamento e de estudos cientificamente sustentados sobre as regiões.
Assim, é necessário equacionar a competitividade das cidades e a sustentabilidade num primeiro nível, resolver os problemas da segurança
e da violência urbana num segundo nível e a integração comunitária para que exista uma boa saúde mental num terceiro nível. Os modelos
de referência e a sua adaptabilidade, os ambientes urbanos e as condições técnicas de ação, constituem três níveis interativos, indissociáveis
dum processo integrado de desenho. O debate está em aberto, mas como diz José Gil, pode haver um problema de não inscrição.
Cidade-região
versus conurbação
As polaridades das áreas metropolitanas de Lisboa e Porto refletem acentuados desequilíbrios regionais traduzidos
pela falta de cidades de 250.000 habitantes estrategicamente localizadas no território, pela indefinição de conceitos de regiões,
pela não existência duma visão conjuntural que perspetive níveis de competitividade e de desenvolvimento equilibrado do país.
As
concentrações populacionais em zonas periurbanas de caráter dominantemente residencial pendular, têm como contraponto uma ocupação
dispersa pelo território constituindo a grande região metropolitana do Porto a maior área em termos populacionais de Portugal. Em
ambos os casos, a dificuldade de acessibilidade é permanente e dispendiosa, agravando os problemas económicos e sociais.
O 23º
Congresso Mundial da UIA realizado em 2008 em Turim, concentrou-se sobre o tema da sustentabilidade das cidades e do seu impacto regional,
onde os planeadores “abordaram complexos estudos acerca da escala metropolitana, projetos integrados envolvendo a paisagem urbana,
o uso dos recursos energéticos, a mobilidade, o tempo das transformações sobre as infraestruturas físicas e digitais, a qualidade
do espaço urbano e da arquitetura”.
São escalas de desenvolvimento e ações diferenciadas que devem contribuir para o equilíbrio
entre as diversas componentes económicas, sociais e ambientais das regiões, fatores que em Portugal não têm sido devidamente equacionados
e implementados. Políticas sectoriais e decisões a curto prazo, falta de modelos de desenvolvimento integrado, não permitem estabelecer
um quadro credível de referências socialmente estruturado, validado na sua perspetiva económica, de competitividade urbana e regional.
Os
países de maior sucesso têm o seu território organizado com uma equilibrada distribuição regional das cidades como é o caso da Alemanha,
ou da Holanda que também funciona em rede. Da matriz estática do território de Christaller às dinâmicas de fluxos regionais e zonas
de influência em tempos enunciadas por Reilly e Zipf, com menos leis e mais estratégia, os modelos de referência que se operacionalizam
são eficazes na sua implementação. Assim, na Holanda, não são permitidos desvios ao que está determinado na ocupação do território.
A visão sobre as suas diversas escalas de organização, integra a dimensão regional e local, potenciando as especificidades ambientais,
a qualidade de vida, a sustentabilidade e a competitividade entre cidades e regiões, especialmente em relação a Londres e Berlim.
Assim, o modelo de acessibilidade, o Rondstad, — cuja projeção para os próximos 20 anos está a ser estudada na Universidade de Delft
—, equaciona o impacto regional duma estrutura ferroviária anelar com cerca de 100 km de diâmetro ligando numa hora quatro cidades
de competências complementares: Amesterdão, Roterdão, Haia e Utreque.
Também o secular Greenbelt de Londres define um anel verde
de proteção da cidade com 50 km de raio, equilibrando as relações cidade/campo, evitando a expansão em “mancha de óleo” da cidade
com as indesejáveis consequências na desorganização do território.
A política de cidades novas, equacionava uma estrutura equilibrada
das cidades e regiões e potenciava o desenvolvimento da economia. É neste limite que se criou Milton Keynes com 250.000 habitantes,
a última cidade nova planeada e construída antes da crise petrolífera de 1973.
O pensamento urbano desenvolvido a partir das
comunidades, dos bairros como unidades de vizinhança para evitar os defeitos do crescimento descontrolado das cidades, teve uma revolução
no pensamento urbano com Ebenezer Howard ao projetar as cidades-jardim de Leichworth e de Welwyn.
Contudo, apesar dos múltiplos exemplos
históricos, dos princípios urbanísticos e estruturas interdisciplinares sobre planeamento do território, a região da Grande Lisboa
enreda-se numa conurbação de cidades que proliferam como subúrbios.
Desenvolvidas por adição de loteamentos e urbanizações particulares
apoiadas nas infraestruturas públicas, por grandes áreas clandestinas mais tarde urbanificadas como é o caso da extensa área da margem
Sul do Tejo — Quinta do Conde, Casal do Sapo e General I, II e III —, incapazes de se tornarem competitivas, de gerarem emprego, coesão
social e qualidade de vida, refletem um sentido especulativo que tira partido da permissividade política, da falta de modelos de referência
e de teorias, de crítica e poder decisório, permitindo que o território se vá degradando a todos os níveis. A gestão urbana também
tem as suas peculiaridades, sendo paradigmático o caso da cidade do Cacém, cujo município se localiza na vila de Sintra.
Teoria
refere-se a “um processo de estabelecer responsabilidades duráveis e categorias sólidas de modo a contrariar o positivismo e mistificando
os caminhos do desenvolvimento social e político que passam a ser vistos como um progresso evolutivo”.
As acessibilidades regionais
são um fator determinante do desenvolvimento, mas não se compadecem com as indefinições de traçado do TGV ou com a vacilação da localização
do Aeroporto a partir de decisões que tornam rapidamente possível o que era inviável, enunciando a ausência dum pensamento estratégico
e de estudos cientificamente sustentados sobre as regiões.
Infraestruturas como o Aeroporto, estão fortemente articuladas com
as acessibilidades, mas é falacioso fazê-lo depender das autoestradas já existentes que, pelo seu traçado e modo de utilização, são
o lugar preferencial para engarrafamentos de fim-de-semana, sempre que há acidentes, obras, horas de ponta, greves, protestos, férias,
futebol ou chuva.
Some-se a estes factos a localização da nova ponte sobre o Tejo que, para além de interferir negativamente
com a imagem da cidade, — nomeadamente com o impacto que tem no Terreiro do Paço —, vacila politicamente numa disputa entre autarquias
sem nunca se testarem modelos que equacionem os efeitos dos fluxos de tráfego sobre Lisboa, já em si congestionada.
A necessidade
de uma nova ponte, antes de ser tomada como definitiva, deveria equacionar uma estratégia regional com modelos que não se encontram
operacionalizados, uma vez que as autarquias não chegam a dialogar entre si, criando-se uma falta de visão integrada da região. Tendo
o conjunto de municípios da margem Sul do Tejo uma população que já ultrapassa largamente os 250.000 habitantes, significa que existe
uma dimensão ótima para se criar uma cidade equilibrada, uma polaridade competitiva que rentabilize todo o tipo de funções.
Assim,
as decisões devem equacionar as potencialidades da região que, se for fortalecida com a localização do novo Aeroporto, tornar-se-á
fortemente atrativa aliviando Lisboa do excesso de novos fluxos automóveis.
A estrutura do tráfego automóvel constitui um subsistema
que decorre de ligações industriais, comerciais e de serviços — cujo maior impacto se evidencia com os camiões TIR —, mas que também
decorre das deslocações quotidianas casa/trabalho e casa/lazer nos fins-de-semana, dias comemorativos e férias.
A excessiva
dependência energética do petróleo, as reivindicações sociais e potenciais greves dos transportes, faz com que se reequacione a importância
de soluções alternativas de transportes públicos como o caminho-de-ferro.
Sendo 2015 o ano em que está prevista a deflação do
petróleo, há que racionalizar e repensar localizações e sistemas de mobilidade, não fazendo sentido continuar a depender da falta
de diálogo e de visão conjuntural, criando onerosos subsistemas viários de efeitos perversos na debilitada economia nacional.
Acresce
o facto de que se corre o gravíssimo risco de criar um progressivo endividamento do país — que ficará a pagar incomportáveis encargos
durante décadas decorrentes de opções estratégicas erróneas —, se não se viabilizarem projeções e modelos macroeconómicos que equacionem
a complexidade e a variabilidade dos problemas.
A cidade como um todo: a coroa N / NO versus frente ribeirinha
Para além
da influência regional, a cidade deve ser caracterizada fisicamente pelos seus limites, centro e penetrações, sendo cada um destes
fatores portador duma carga simbólica, essencial para a definição dos territórios de pertença, da apropriação e autonomia no exercício
da cidadania.
Em Lisboa, os limites hoje definidos pelo Rio, por Monsanto, pelas portas de Benfica e pela topografia alcantilada
da zona N/NO, foram variando ao longo dos tempos: muralhas do castelo, cerca Fernandina, pela caracterização dos bairros tradicionais
que vieram a ser progressivamente incorporados na cidade. Quando o crescimento de Lisboa se fez por arrabaldes, foram incorporados
núcleos estáveis onde existiam comunidades, programas de cariz religioso como os conventos, quintas solarengas como as do Paço do
Lumiar, ou de cariz industrial como a fábrica de sedas do Rato.
As dinâmicas de crescimento da cidade tornaram-na progressivamente
mais difusa. O posterior crescimento por subúrbios desenvolve-se rapidamente em “mancha de óleo” duma forma incaracterística, sem
existir nenhum modelo de planeamento integrador, estrutura urbanística ou estratégias arquitetónicas autónomas que o enquadre. Assim,
partindo de urbanizações e loteamentos parcelares, geraram-se zonas clandestinas nos limites concelhios e em solos não urbanizáveis,
proliferando os bairros da lata e os interesses especulativos. O que fica em aberto é um sistema indefinido, suburbano, que questiona
a definição dos limites, tidos como zonas incaracterísticas — e não reforçados como no urbanismo inglês com os “green belts” —, sendo
apenas contidos na frente ribeirinha e pelo Parque de Monsanto. Os limites em vez de enfatizarem uma referenciação simbólica agregadora,
apresentam-se como zonas de dissociação, de empobrecimento, preferenciais para ocupações marginais que tiram partido das “franjas”
concelhias e do facilitismo posicional dos municípios.
O centro da cidade referencia a memória coletiva estabilizada no tempo,
nas tradições, no modo de ser e agir, tendo o poder político um papel determinante na criação de zonas emblemáticas que, em Lisboa,
corresponde à sua estrutura Iluminista, cujo centro se localiza na Baixa Pombalina tendo como nartex de entrada ritualizada o Terreiro
do Paço.
A dispersão do centro por várias centralidades, — centros secundários de Algés ou Benfica, e o desenvolvimento linear
na Av. de Roma —, revêem-se nas acessibilidades que têm cada vez mais um papel determinante no uso da cidade, que já não se refere
ao uso do espaço mas do tempo de deslocação. As localizações comerciais, e as penetrações na cidade que se fizeram através de ruas
comerciais, passaram a ser feitas por Avenidas, autoestradas, vias rápidas e circulares, trazendo para o centro da cidade um excesso
de tráfego automóvel.
As ações de intervenção em Lisboa, não têm correspondido a um pensamento global. Incidindo principalmente
nas zonas de maior impacto histórico e na zona ribeirinha, privilegiam obras de remodelação sobre a sua estrutura morfológica. Desprezam-se
assim significativas áreas de características suburbanas, de desenvolvimento esquecido, sem vivência, vazios intersticiais onde se
criam guetos e se geram graves problemas sociais, como é o caso da coroa Norte e Noroeste da cidade.
Leon Battista Alberti dizia
que “a cidade é uma casa e a casa é uma cidade”. Assim, pensar Lisboa apenas considerando a sua entrada nobre relacionada com o Tejo,
esquecendo a dimensão do “abarracamento” e clandestinidade das suas “traseiras” por onde passam duas autoestradas, é como tratar da
imagem da casa centrando-se apenas na fachada principal, não prestando atenção aos anexos e remendos nas suas traseiras que a adulteram,
interferindo com a qualidade de vida, e onde socialmente se propicia a criação de focos infecciosos.
Violência urbana versus
espaços comunitários
As relações casa/bairro/cidade foram subalternizadas, o enfoque faz-se dominantemente nos índices, reduzindo-se
o mundo a um somatório de funções onde a vida fica de fora. Le Corbusier legou-nos um homem dimensional, pragmático, sem cultura,
um referencial global que permitia fazer cidades iguais em qualquer parte do mundo. As tradições não são incluídas, os fatores simbólicos
são menosprezados por uma racionalidade que não operacionaliza a vida, pensando que tudo se resolve politicamente. Contudo, sem existir
interação social, potenciam-se conflitos latentes em vários níveis, falando-se do indivíduo, da sociedade, e não da comunidade.
Os
espaços comunitários não são desenhados na estrutura que pretende ser urbana, onde prevalece um “urbanismo de praceta”. A suburbanidade
impera em intervenções que perseguem sempre os mesmos erros, desreferenciadas das populações, de modelos urbanísticos — incluindo
os participacionistas —, com um reducionismo de conceitos e dos modos de organizar o espaço, situações que nada têm a ver com o urbanismo
que é uma ciência e uma arte.
A violência urbana constitui um dos sintomas sociais mais graves, radicalizados em marginalidades
ou conflitos étnicos. Adicionam-se os indícios de pobreza ou a sobrevivência urbana em contextos de falta de trabalho e de integração
social, que constituem padrões que potenciam a permeabilidade de entrada nos submundos.
Na organização urbana, devem-se equacionar
modelos organizacionais operativos para as comunidades, que constituam intervenções dissuasoras destes tipos de ação. A expressão
de fações e grupos sociais de cariz étnico, religioso, político, laboral, sexual ou de outros enquadramentos, faz com que as identidades
se manifestem e insurjam de forma mais ou menos extremada contra a inserção social e política a que estão sujeitos, conotando-as como
formas de opressão. Depois dos anos 60, a cultura passou a ser entendida como modo de vida, deslocando as suas referências para o
quotidiano, para as reivindicações políticas. Assim, lendo a progressão da atual complexidade de conflitos existentes ao nível local
e global, devem-se reler os princípios situacionistas neste domínio que afirmam:
“A única atividade importante do pensamento, hoje
em dia, deverá andar à volta desta reorganização da força teórica e material do movimento da contestação”.
A condição da sociedade
pós-moderna revê-se na sua indiscriminada extensão que dissipa os limites e pulveriza os territórios. Deste modo, exprimem-se diferentes
grupos e culturas que a constituem sem estabelecer valorações entre si, introduzindo uma visão plural, indiferenciada e igualitária
na relativização dos seus valores, embora não se erradiquem as conflitualidades latentes, cujas identidades, quando extremadas, funcionam
em circuito fechado em processos simbólicos, excluentes dum sentido relacional.
Apenas um devir romântico na crença num eficaz
e identitário civismo pode ainda fazer com que a tendência para a progressiva radicalização não se implante cada vez mais profundamente
no quotidiano. A realidade revela que há um destino indefinido inscrito nas ações da humanidade que traduz a sua tragédia, um fim
que se enuncia à espera dum redentor recomeço, e é essa a esperança residual da utopia. Os territórios simbólicos existem profundamente,
estabelecidos como elo identitário inquebrável que não pode ser conquistado nem destruído pela força nem pela razão, nem se dissipam
perante outros valores civilizacionais que são sempre exógenos, por mais que se reivindiquem utopias de justiça e liberdade.
Descaracterização
de Lisboa
Há descaracterização quando se vai perdendo o carácter, destruindo
a estrutura e o significado que expressa o sentido cultural da existência da urbe enquanto depositária dos valores de uso e de troca.
A forma urbana expressa uma estrutura morfológica e cultural que evolui e se sedimenta, manifestando-se esteticamente na autenticidade
que incorpora o espírito do tempo e a identificação consciente do que é passageiro. A imagem de Lisboa foi sendo acrescentada por
intervenções urbanas que lhe deram um sentido de época e de modernidade, sendo o Bairro de Alvalade a última intervenção urbanística
de grande dimensão e qualidade na cidade, podendo-se também, de algum modo, incluir mais recentemente Telheiras e o Parque das Nações.
Também são de referenciar intervenções em diversos bairros de qualidade como os Olivais que, perseguindo o modelo do bairro “Hansa
Viertel”, continua a estratégia de inovação utilizada no pós-guerra em Berlim e Frankfurt. Estas intervenções, como refere José
Lamas, foram “concretizando os ideais dos arquitetos modernos: controlo urbanístico, industrialização da construção, a produção de
alojamentos sociais, e grande sintonia entre arquitetura, gestão e políticas urbanísticas municipais.” .
Contrariamente a estes
exemplos, há hoje uma desestruturação urbana com uma imagem inconsequente que decorre dum somatório de operações imobiliárias desarticuladas,
casuísticas e anárquicas, com maior visibilidade nas zonas relacionadas com as principais vias de acesso à cidade.
A caótica
imagem visual da calçada de Carriche ou do eixo norte-sul, onde a dissociação do espaço urbano resulta num conjunto disperso de vias
rápidas, zonas intersticiais incaracterísticas resultantes de urbanizações limítrofes sem desenho ou elementos estruturantes, não
manifesta nenhuma preocupação, estratégia ou exigência cívica, faltando um pensamento integrador de especialidades que hoje se torna
essencial nas diversas áreas do saber, prevalecendo leituras sectoriais que nunca resolvem os problemas.
Expressando o seu desenvolvimento
ao longo de diferentes épocas, Lisboa referencia descontinuidades e ruturas representando zonas de forte tradição ou modernidade e,
mais recentemente, de falta de visão estratégica. Embora a sua estrutura resista dando-lhe uma identidade plural moldada pela articulação
e equilíbrio entre os bairros, novas estruturas e morfologias significantes, há cada vez mais necessidade de se criar uma gestão e
um desenho urbano que expresse o locus e um sentido de modernidade que potencie a vivência comunitária.
O deslocamento da habitação
para as periferias, fez proliferar os subúrbios e as especulações imobiliárias, e as populações deslocam-se em sucessivas etapas entre
Lisboa e os núcleos periféricos do tipo Cacém / Amadora / Massamá potenciando bairros-problema, ou para a margem sul.
Na cidade,
a habitação sendo o sistema economicamente mais débil, vai sendo substituída pela terciarização do centro, facto que na malha pombalina
se torna evidente apesar da sua imagem homogénea.
O centro da cidade tem vindo a ser substituído por múltiplas centralidades,
e hoje o mais importante é existir uma fácil acessibilidade, pois o espaço foi substituído pelo tempo. Neste sentido, equipamentos
como os centros comerciais e as grandes superfícies implantam-se estrategicamente em zonas com boa acessibilidade e fáceis fluxos.
“Quando
se planear a cidade do futuro, a cidade da vida não pode mais ser construída apenas em função da identidade de lugares, mas deve representar
um espaço para conectar fluxos e espaços”.
O fluxo automóvel que aflui quotidianamente a Lisboa gerando infindáveis engarrafamentos,
reflete a dissociação que existe entre habitação e local de trabalho. Os preços do mercado e a crise, apenas estimulam o afastamento
da habitação do centro, não havendo IC19 que aguente, nem sistema (des)urbano que resista. A desagregadora realidade quotidiana, revela
exemplos do modo como não se deve fazer cidade, que vai perdendo competitividade, vivência articulando-se mal com a região. Nunca
se apresentou um modelo credível, estruturado, um projeto político de cidade envolvendo o impacto criado pelas novas acessibilidades
que seja em si justificador da diluição dos fluxos, acentuando-se o desequilíbrio regional por falta duma visão dinâmica, abrangente
e estruturada.
Há violência quando se gasta mais de 30 minutos na deslocação casa/trabalho e o caos que é imposto às populações
pendulares que vivem na área da grande Lisboa, gera uma insustentável deseconomia ao país e aos cidadãos que pagam em “tempo, paciência
e dinheiro”.
Para além do universo dos índices — de construção e de ocupação do solo —, a cidade é constituída por fluxos e
infraestruturas cujas dinâmicas não têm sido devidamente equacionadas.
É um erro fazerem-se intervenções sem se avaliarem as
causas nem se equacionarem as consequências dos problemas. Por exemplo, há um menosprezo pelas inundações que vão tendo cada vez maior
expressão, e nada está a ser alterado neste aspeto, apesar da radicalidade das mudanças do clima. Continua-se a construir em leitos
de cheias — como acontece com o maior centro comercial do país na Brandoa, construído em zona de proteção hídrica —, continua-se a
não ter em devida consideração os fluxos subterrâneos das águas, a impermeabilizar excessivamente os solos, havendo rios que funcionam
como esgotos, recetáculos de tudo quanto é descarga indesejável. A poluição já tirou do Tejo muita poesia, trabalho e pescadores assim
como relações urbanas, aprofundando o seu divórcio com a cidade.
Há diversas “Lisboas” desconexas nas suas relações, incaracterísticas
e por vezes caóticas nas imagens que transmitem, estando longe da organização antropológica que gerou os bairros da Alfama, da Mouraria
ou das regras de desenvolvimento planeado.
Desde o Bairro Alto, passando pela Baixa Pombalina e pela visão iluminista da cidade
do século XVIII, encontramos estruturas como a das Avenidas Novas, o Bairro de Alvalade e, posteriormente, as urbanizações do Estado
Novo com bairros sociais como os do Arco do Cego ou da Encarnação entre outros. Também há zonas significativas de desenvolvimento
da cidade como os Olivais — reportando-se ao conceito de cidade-jardim —, e expressivas zonas verdes como o parque de Monsanto.
Tem-se
tentado revitalizar a “baixa” da cidade donde a habitação praticamente desapareceu, pois Lisboa tem-se progressivamente terciarizado,
gerado a anulação da vida comunitária, e o espaço público tem sido substituído pelo espaço coletivo dos centros comerciais. As ruas,
transformadas em permanentes parqueamentos automóveis, e as praças substituídas por “urbanizações de praceta” exprimem um atávico
cariz suburbano.
Deve-se questionar o tipo de pensamento urbano e as estratégias que existem hoje para Lisboa e a sua área metropolitana.
Invocam-se por vezes argumentos da complexidade, da dinâmica, da imprevisibilidade, da globalização mas, no fundo, tudo decorre da
falta de um projeto teórico e político que evite a barafunda instituída, a promiscuidade entre interesses legais / ilegais.
Em
Chicago, cidade com grandes tradições urbanas e arquitetónicas decorrentes das suas Escolas de pensamento nestes domínios, o Plano
é um instrumento operativo impensável ser subvertido, e a implantação das habitações tem de cumprir rigorosamente o estipulado sob
pena de imediata demolição.
A terminologia pós-moderna adquire um sentido dissipativo e integrador de marginalidades. Começando
por chamar urbanificação à passagem do clandestino à legalidade, desvitaliza o termo clandestino, chamando-se hoje AUGI’s (Assentamentos
Urbanos de Génese Ilegal), demonstrando que o processo é incorporado na estrutura e, no sentido de tentar evitar problemas sociais,
estes vão sendo adiados, ou criando-se outros como os que são sobejamente veiculados pela comunicação social.
A atração da cidade
é enorme em todo o mundo, e a procura de melhores condições de vida dos deslocados e o desemprego, constituem fatores determinantes
para o assédio que as cidades sofrem, impactos avassaladores que geram desenvolvimento e enormes slums.
Há zonas em Lisboa que
se tornam economicamente apelativas, variando em diferentes épocas. Quando a Avenida da Liberdade esteve sujeita a forte pressão imobiliária,
aumentaram-se o número de pisos e substituíram-se os velhos edifícios. Este fenómeno aconteceu também na Avenida da República, e o
seu inestético conjunto, ainda coexiste com raros edifícios residuais emblemáticos de época e de autor. Estes expressam uma maneira
de fazer cidade ao modo renascentista, onde se exprimiam cumulativamente os signos de representação do prestígio individual ao mesmo
tempo que se contribuía para a qualidade da estética urbana. Hoje, o investimento deslocou-se para o Parque das Nações.
Num universo
global, é natural que se imponha outro sentido de ordem com grande intensidade e um novo sentido de evolução, mas é mau que o interesse
do m2 de betão prevaleça apenas redutoramente sem se equacionarem valores estéticos e sociais, expressando apenas a redutora avidez
da rentabilidade partindo dum o gosto-tipo baseado num “marketing” de contornos kitsch.
A alteração de programas funcionais na
zona ribeirinha decorrentes da desativação do Porto de Lisboa, cria um enorme espaço privilegiado para intervenções urbanas que têm
de ser cuidadas, estruturadas no seu conjunto e articuladas com a cidade, pois pode-se comprometer definitivamente a identidade estética
de Lisboa.
Assim, deve-se ter em consideração a visão que se impõe como primeiro plano a quem se aproxima da cidade a partir
do Tejo, tendo em consideração a qualidade da imagem da cidade, que deve preservar na sua identidade morfológica na sua dinâmica temporal.
É importante implementar uma filosofia que veja a cidade como um todo qualificado, inserida na região, e com mecanismos de articulação
que evitem as pressões diárias, fazendo com que a vida em Lisboa seja aprazível explorando as suas imensas qualidades e enquadramento
de zonas verdes e azuis, onde será apetecível viver e investir, e criar um desafio de participação e de cidadania.
O ensino tem
um papel fundamental neste domínio e a criação dum espírito crítico e científico, identifica e enquadra a pertinência das questões,
coloca-as no seu tempo e lugar, cria uma metodologia de aprofundamento sobre os assuntos, e remete a intersubjetividade para o lugar
posicional das tendências políticas e da opinião pública.
FIM