O Significado da Nova Lei do
Arrendamento
Artur Soares Alves
30-Ago-2012
A nova lei do arrendamento (Lei 31/2012) terá
que ser estudada sob diversos pontos de vista para podermos ajuizar da sua eficácia e do seu acordo com os princípios da justiça —
que sempre andou tão longe de tudo em que o Estado interveio no campo do arrendamento. Nomeadamente, temos que ver as intenções e
os efeitos práticos quanto a
§ Liberdade contratual para os novos contratos.
§ Garantia do cumprimento dos contratos,
especialmente a rapidez dos despejos.
§ Correção das rendas congeladas.
§ Fiscalidade.
Este último aspeto é matéria
da legislação fiscal, numa a atitude clássica que se compreende por um lado, mas que se baseia na ideia errada de que os impostos
não têm impacto na economia[i].
Analisar a lei é uma coisa. A seguir é preciso acompanhar a sua execução para avaliar da vontade real
do governo em dar-lhe seguimento. Não será surpresa se a virmos completamente desvirtuada através de portarias, despachos, atrasos
judiciais, preceitos propositadamente obscuros, etc. Portanto, o que se pode fazer é estudar o que está escrito e acompanhar a sua
execução à medida que esta decorrer.
Os Italianos criaram o aforismo “fatta la legge, pensata la malizia”. Toda a lei tem uma motivação
e um objetivo e muitas vezes estes estão ocultos nos detalhes, onde se escondem as exceções que contrariam e anulam o que está anunciado
no preâmbulo e mesmo nos artigos. É com expetativa e inquietação que se anuncia para decreto posterior a fórmula de cálculo do RABC
(Rendimento Anual Bruto Corrigido) porque do RABC do inquilino depende a possibilidade de corrigir a renda congelada. Com a fórmula
atual do RABC serão poucas as rendas congeladas com correções dignas desse nome.
O significado
Exposto este prudente pessimismo, esta lei contém aspetos que estarão mesmo para além das intenções do legislador. Mantendo sublinhado o que se disse antes, esta lei parece fechar um ciclo que se começou há um século, em que o Estado assumia como sua função mais nobre retirar o usufruto propriedade a quem a construiu e pagou, para o dar a quem nela não pôs o menor esforço.
E isto tem um efeito de uma perversidade extrema.
A consciência da injustiça existe na alma de quem a sofre; mas existe também na alma de quem dela beneficia ou a pratica. E por isso
repete-se nesta matéria aquilo que aconteceu em vários períodos negros da História, a saber, colocar a vítima no banco dos réus para
justificar a espoliação dos seus bens. Os Judeus bem sabem o que isto significou, acusados de todo o tipo de infâmias como justificação
para a expulsão e o confisco dos seus bens. Sabem-no os empreendedores que criaram bens e serviços e enriqueceram moderadamente porque
serviam os consumidores que queriam esses bens ou serviços. Sabem-no os numerosos empresários destruídos pela euforia da revolução
de Abril e suas sequelas.
Do mesmo modo os proprietários e senhorios têm vindo, há mais de um século, a sofrer a calúnia que acompanha
a espoliação. Eis o que dizia o Senado da República em 14 de Dezembro de 1922, quando o congelamento e a inflação tinham já levado
os proprietários à ruína:
… os senhorios, os que são gananciosos…
… uma casa devoluta constitui para alguns senhorios uma mina
de ouro…
O que é surpreendente é que a Lei 31/2012 não reproduz esse estilo. Algo deve ter mudado entre 2008 a 2010, para
cá. A questão é: o quê? E porquê?
O mais certo é que nunca o saberemos. Todavia, a política da habitação própria, com os lucros
e os impostos desproporcionados à riqueza nacional, atingiu alguns dos seus “objetivos” mais perniciosos, entre eles a imobilização
da mão-de-obra. Para usar uma formulação expressiva “num país minúsculo ficámos com a mobilidade de um acamado”; aqui. O impacto desta
política na economia fora já previsto por alguns economistas que encontraram uma correlação entre o desemprego e a quantidade de habitação
própria.
Mas o certo é que o País foi induzido a julgar-se rico porque pagava caro por um bem essencial, como se pagar a sardinha
ao preço da lagosta fosse sinal de riqueza. E o País foi induzido a ser desleixado e consumista porque lá estava o Estado no fim a
garantir uma velhice dourada, “velhice” essa que bastas as vezes começava aos 55 anos. Para quê poupar, para quê adiar os prazeres
do consumo, se todas as necessidades da vida eram asseguradas por um Estado benevolente?
O desabamento
Estamos a assistir ao desabar
desta ilusão. No contexto, é de prever que não faltem almas atrevidas que venham reivindicar para si esta "grande vitória". Reivindicar
podem, mas o fenómeno a que assistimos não resulta do "combate" de ninguém, nem sequer da Troika. Este resultado provém do esgotamento
de um sistema político que claramente não consegue manter o País à tona de água. É o resultado inevitável de se ir contra a corrente
da realidade.
Os efeitos da realidade no discurso político ainda não são visíveis. O congelamento foi uma grande vantagem para muitos
setores que não desistirão facilmente da situação rendosa que alcançaram. É isso que explica que a lei 31/2012 venha acompanhada da
lei 30/2012 (sobre obras) e sobretudo da lei 32/2012 (sobre reabilitação). É a persistência da esperança contra a realidade.
FIM
[i] É
muito citada a curva de Laffer que ilustra uma realidade observável, a saber, quando a fiscalidade sobe demasiado sufoca a economia
e faz baixar a receita fiscal. Temos que admitir que isto é exatamente o que sabe qualquer carroceiro. Se privar as mulas de alimento,
se as forçar em excesso, elas acabam por adoecer e tem que ser ele-próprio a puxar a carroça.