Excesso de Impostos e Curva de Laffer
Artur Soares Alves
6-Dez-2012
A carga fiscal vai ser, daqui em diante, o problema
número um do País. Incapaz de se reformar, o Estado vai necessitar de quantias cada vez mais avultadas para continuar o rumo que mantém
desde há dezenas de anos. Tendo perdido o crédito externo, somente pelos impostos conseguirá os recursos financeiros de que necessita.
Um sistema fiscal baseia-se no poder que tem o Estado de retirar ao cidadão uma parte do rendimento que este obteve legitimamente.
Este poder é discricionário, seja exercido por um rei absoluto, um ditador ou um parlamento eleito. Nada limita o poder de lançar
impostos, nem o direito natural dos governados, nem considerações de caráter económico.
Na realidade o único fator que modera
o Estado é uma realidade contra a qual o Estado nada pode — o excesso de imposto mata o imposto. Portanto, dependendo da época e das
circunstâncias há uma espécie de limite natural ao que o Estado pode retirar aos cidadãos. A história, por vezes trágica, da fiscalidade
mostra que quando este limite não é respeitado a sociedade se desagrega e a ordem social se quebra irremediavelmente.
Este limite
natural é, afinal, o limite do poder que um homem tem sobre outro, digamos, como o dono e o escravo. Mas este limite depende das vantagens
que o escravo representa para o dono. Um estudo comparativo mostra que os escravos negros das plantações americanas do século XIX
eram tratados com mais cuidado do que os presos políticos, transformados em escravos, no goulag do estalinismo; aqui. De facto, os
primeiros representavam um capital valioso para o dono da plantação, enquanto os segundos eram apenas objetos sem valor para o comandante
do campo.
A curva de Laffer[i]
A curva de Laffer é uma ilustração gráfica deste limite natural à taxa do imposto. Parte
do princípio de que existe uma relação entre a taxa t do imposto e a receita fiscal R e que esta relação é uma função matemática.
Para traçar o gráfico desta função marcamos os valores de t no eixo horizontal e os valores de R no eixo vertical.
Se t = 0%,
isso significa que não há imposto a pagar, logo, a receita é nula, isto é, R = 0. Se t = 100%, isso significa que o Estado se apodera
da totalidade dos ganhos do cidadão. Este perde tudo o que ganha, ficando com zero quer produza, quer não produza. Mesmo numa sociedade
esclavagista[ii] a única consequência é o definhar dos produtores e uma receita nula, isto é, também R = 0.
Ora, se partirmos da taxa t = 0% e aumentarmos t, também R aumenta. Porém, R não pode aumentar sem parar porque sabemos que ela tem que se anular se a taxa for 100%. Destas considerações provém a forma da curva de Laffer como é hábito encontrar.
Então a curva de Laffer indica
que a receita fiscal vai subindo com o aumento da taxa mas que chega a um certo valor de t em que a receita fiscal começa a diminuir
e a aproximar-se de zero quando t se aproxima de 100%.
Há alguma confirmação empírica neste raciocínio:
“O Tesouro americano
verificou isto desde cedo quando a taxa de imposto sobre o rendimento saltou de 7% em 1916, para 77% em 1921, produziu quase a mesma
receita fiscal[iii]:
Rendimentos acima de $300.000 | ||
Ano |
Taxa |
Receita fiscal à taxa progressiva |
1916 |
7% |
$ 81.404.194 |
1921 |
77% |
$ 84.797.344 |
Tudo
isto é fácil de compreender em termos da natureza humana. Em primeiro lugar se o indivíduo tem que produzir bens no valor de 100 euros
para ganhar 23 (taxa de 77%), é grande o incentivo para não produzir. Todavia, o maior efeito deve sentir-se na fuga aos impostos
e nas distorções da economia.
De facto, com taxas extorsionárias desta ordem é preferível mobilizar o próprio esforço para as
atividades que diminuam os impostos a pagar. O empreendedor já não se guia pelas necessidades do mercado mas sim pelos pormenores
do código fiscal. Expande-se a profissão de fiscalista e criam-se empregos no setor, porém esta é mais uma forma de produzir serviços
não-transacionáveis.
Tudo isto junto diminui a criação de riqueza, o que se reflete na receita fiscal. No fundo a curva de Laffer
é uma ilustração gráfica dos efeitos agregados da fiscalidade. A sua expressão exata não pode ser determinada, logo não serve de base
para o cálculo dos efeitos numéricos exatos de uma subida ou de um abaixamento de impostos.
A crítica da curva de Laffer
Por
várias razões, entre elas as assinaladas, a curva de Laffer tem sido sujeita a críticas variadas. Porém, um aspeto notável é que a
sua forma provém de um teorema que se estuda no primeiro ano das universidades, chamado teorema de Rolle:
Seja f(x) uma função definida
no intervalo [a, b], contínua e derivável. Se f(a) = 0 e f(b) = 0 então existe pelo menos um ponto interior c onde a derivada se anula,
isto, é f’(c) = 0.
Em todo o caso, para sermos rigorosos temos que assinalar que a forma da curva de Laffer acima não é imposta
pelo teorema de Rolle, sendo possível a forma seguinte e outras do mesmo estilo.
Neste caso, após um período de queda da receita
fiscal, segue-se um novo período de subida desta. Contudo, esta última curva não é convexa nem côncava, o que a coloca fora dos modelos
habituais em Economia.
A curva de Laffer e a política
Quando a receita fiscal começa a baixar depois de ter atingido o máximo,
isso significa que a fiscalidade está a sufocar a economia. Racionalmente seria o momento de baixar os impostos. Porém, os comportamentos
racionais não são de esperar quando a autoridade está repartida por uma miríade de focos de poder.
A razão é simples. Baixar os impostos significa assumir a priori uma diminuição na receita. As despesas do Estado têm que ser, também a priori, diminuídas. Ora todos os serviços do Estado, assim como os fornecedores deste, entendem que não devem ser atingidos pelo corte das despesas. Aparecem as doutrinas mais fantasistas sobre as finanças públicas e o governo acaba por aumentar os impostos, embora sabendo que a receita fiscal diminuirá. A curva de Laffer é assim um simples aviso, mas somente perante a perspetiva de uma catástrofe, ou perante revolta popular, o governo se sentirá com energia para impor a sua vontade aos tais inúmeros focos de poder e tomar a única medida racional — o abaixamento dos impostos.
[i] Ver Arthur Laffer.
[ii] Uma sociedade esclavagista não funciona com t = 100%. De facto, à partida,
tudo o que o escravo produz é pertença do plantador. Porém o plantador tem que alimentar o escravo e zelar pela sua saúde, isto é,
tem que devolver ao escravo uma parte do valor que este criou. Nesse caso, t poderá ser talvez 85%, nunca pode ser 100%.
[iii] Charles
Adams — For Good and Evil. The impact of taxes on the course of civilization, pág. 431.