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Sobre a nova Lei.

Intervenção nas Jornadas de Estudo de Solicitadoria 2013

 

António Frias Marques

16-Mai-2013

 

 

Agradecemos o amável convite que foi feito à Associação Nacional de Proprietários (ANP), para nos podermos pronunciar acerca da nossa posição perante a Reforma legislativa em curso relacionada com o Arrendamento Urbano, bem como com a criação do Balcão Nacional do Arrendamento (BNA).

 

Devemos lembrar, que toda esta legislação resulta de uma imposição da troika, constante do ponto 6 do Memorando de entendimento e cujos objetivos se resumem em  melhorar o acesso das famílias à habitação, promover a mobilidade dos trabalhadores, melhorar a qualidade da habitação e  uma melhor utilização do parque habitacional, bem como, reduzir os incentivos ao aumento da dívida das famílias.

 

É uma lástima que tivesse sido necessária a vinda de três entidades estrangeiras, dizer-nos aquilo que temos de fazer em vários aspetos da nossa vida, mormente no setor que nos traz aqui hoje: o arrendamento urbano.

 

É errado reduzir toda a discussão acerca do arrendamento a uma questão rendística.

 

A renda de casa é apenas um elemento do contrato de arrendamento. Outros fatores bem importantes são de considerar, nomeadamente o bom uso que se faz da casa, a não degradação do local, a limpeza, a higiene e as boas relações de vizinhança; constituem um conjunto de comportamentos que decisivamente contribuem para que vivamos num lugar apetecível ou num local de onde só apetece fugir.

 

Mas só uma renda justa e realista pode permitir ao senhorio, prover à manutenção e conservação da casa e do prédio. Em última análise é o inquilino quem paga as obras, mas também só o inquilino e a sua família, usufruem da habitação.

 

Não faz qualquer sentido, obrigar o proprietário a deslocar fundos de outros rendimentos, de que eventualmente disponha, para acudir a uma propriedade de que só terceiros estão a usufruir.

 

É isso que se vinha verificando desde há muitos anos, mormente em relação aos contratos celebrados antes de 1990.

 

A partir dessa data, com a publicação do Regime do Arrendamento Urbano (RAU), passou a ser possível a fixação de um prazo mínimo de 5 anos, renovável, por oposição aos contratos vinculísticos com rendas congeladas.

 

O congelamento das rendas, por si só, não teria provocado a degradação patrimonial a que assistimos. Foi a inflação que destruiu o  status daqueles que dependiam de rendimentos fixos, degradando-lhes o estatuto social.

 

Os senhorios viram aumentar as despesas, sem que crescessem os proventos.

 

A Reforma do NRAU

 

No momento em que se perfazem 6 meses sobre a entrada em vigor da Lei 31/2012 de 14 de agosto, que consubstancia a Reforma do N.R.A.U. – Novo Regime do Arrendamento Urbano, aprovado pela Lei 6/2006 de 27 de fevereiro, podemos tecer algumas considerações à aplicação prática destas medidas legislativas que almejam 3 grandes objetivos:

 

alteração do regime substantivo da locação, designadamente conferindo maior liberdade às partes na estipulação das regras relativas à duração dos contratos de arrendamento e encurtando os períodos de antecedência para  impedir a renovação automática;

 

alteração do regime transitório dos contratos de arrendamento habitacionais celebrados antes de 1990 e não habitacionais anteriores a 1995, reforçando a negociação entre as partes e facilitando a transição para o novo regime, no espaço de cinco anos;

 

criação de um procedimento especial de despejo do local arrendado, por incumprimento do inquilino, que permita a sua rápida recolocação no mercado de arrendamento.

 

Estas alterações legislativas ao Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU) e ao Código Civil, na parte que ao arrendamento  diz respeito, merecem-nos uma reação; nalguns aspetos positiva, noutros negativa, e noutros ainda, suscitam-nos dúvidas.

 

Comecemos por analisar os aspetos que julgamos positivos:

 

É sem dúvida positivo que os despejos, mormente por não pagamento de renda, possam ser requeridos com 2 rendas em atraso, bem como a prestação de caução pelo arrendatário que impugne o despejo.

 

Se, efetivamente, se vier a concretizar o procedimento especial de despejo, em 2 meses (mais 10 dias para a notificação), estamos perante um ganho de tempo significativo. (art.º 14.º do NRAU)

 

A possibilidade de celebrar contratos por prazos inferiores a 5 anos, também é uma medida positiva. Nada impede agora, que a pessoa que só vai necessitar da casa durante 2 anos seja obrigada a contratá-la por cinco, que era o prazo mínimo anterior. (art.º 1094 do Código Civil).

 

Aliás, com a velocidade a que corre a vida moderna, raras vezes esses contratos de 5 anos, chegam ao fim do prazo.

 

Com efeito, não adianta especular-se com a estabilidade do casal ou da família! Essa estabilidade e durabilidade dos casamentos, não passa hoje de um dado histórico.

 

Aplaudimos também o encurtamento da antecedência para as comunicações de não renovação automática, pois as notificações para não renovação do contrato também passaram para prazos mais curtos (cerca de metade) (art.1055.º C.C.).

 

Positiva é também a obrigatoriedade de todos os contratos serem por escrito e registados.(art.º 1069 C.C.).

 

Igualmente, o fim das transmissões a quem tenha casa própria ou arrendada no mesmo concelho (ou limítrofes, no caso do Porto e de Lisboa), nos parece uma medida positiva. (art.º 57.º NRAU).

 

Do mesmo modo nos parece positiva a necessidade de a pessoa que vivia com o arrendatário, em união de facto, o fizesse há mais de 2 anos (anteriormente bastava que o fizesse um dia antes do decesso, pois não era mencionado o tempo). (art.º1106.º C.C.).

 

A fixação da renda em 1/15, o equivalente a 6,66% do Valor Patrimonial Tributário (VPT), é igualmente uma medida positiva. Anteriormente era apenas 1/25, o equivalente a 4%.

 

Habitualmente a rendibilidade, modesta, sim, mas ao mesmo tempo suficientemente atrativa e fixada pelo senso comum, pela tradição e pelo próprio Estado, situa-se em 1/12,5, o equivalente a 8%.

 

Não ignoremos que sobre este rendimento incidem as despesas, o trabalho e as taxas e impostos. (art.33.º NRAU).

 

Outrossim positiva, é a redução do prazo para a denúncia do contrato, quando o senhorio necessite do locado para habitação própria ou dos seus filhos, de 5 para 2 anos. (art.1101.º C.C.)

 

Também nos parece bastante positiva a dispensa de intervenção das Comissões Arbitrais Municipais (CAM’s) com simplificação burocrática e inerentes custos.

 

Nos arrendamentos não-habitacionais passa a haver a possibilidade de cessação do contrato, mediante aviso com 5 anos de antecedência, quando ocorra trespasse, locação ou cessão de mais de 50% das quotas. (art.º28.º NRAU)

 

Igualmente positivo é passarem a ser consideradas micro-entidades (as antigas micro-empresas ou empresários em nome individual), apenas as que tenham menos de 5 empregados (eram 10), que faturem 500.000 euros anuais ou que tenham um valor de balanço equivalente (era 1 milhão de euros).

 

Os valores passaram, portanto, para metade. (art.º 51.º NRAU).

 

Falemos agora dos pontos que se nos afiguram negativos:

 

É absurdo fazer um leilão de uma coisa (a casa) que está refém e que só será viável se o inquilino já não precisar dela e a retiver, precisamente à espera de uma indemnização.

 

É lamentável que o Estado propicie o surgimento de autênticos caçadores de fortunas, que só estavam à espera que o senhorio os notificasse da intenção de passagem do contrato para o NRAU e atualização da renda, para, em todo o seu esplendor, fazerem uso das prerrogativas que lhes são concedidas pelo inconcebível art.º 29.º do NRAU, e denunciarem o contrato, apresentando simultaneamente uma relação das “benfeitorias” realizadas, cujo montante, em vários casos, é muito superior ao total do valor das rendas pagas ao senhorio ao longo de dezenas e dezenas de anos do contrato.

 

No ponto 2 do citado artigo é definido o direito à compensação, independentemente do estipulado no contrato de arrendamento!

 

E, o que tem acontecido nestas situações?

Perante a recusa dos proprietários, os inquilinos permanecem no locado, a custo zero, alegando o direito de retenção da renda!

 

Nos casos em que há boa-fé de parte a parte, a regra tem sido a fixação da renda em 1/15 do Valor Patrimonial Tributário, salvo nos casos de inquilinos com rendimentos mensais inferiores a 5 ordenados mínimos, em que a renda é fixada, não em função do valor da casa, mas, durante os próximos 5 anos, em função dos proventos do arrendatário.

 

Prevê-se que, por morte do inquilino, lhe possa suceder, entre outros, o parceiro sobrevivo de uma união de facto ou, ainda, quem com o inquilino vivesse em economia comum. O problema, nestes casos, é o da indefinição da data de início da união e a identificação prévia de quem realmente vive com o inquilino, levantando-se muitas incertezas na definição desta figura jurídica.

 

Para evitar espertezas post-mortem, a comunicação de união de facto deve ser feita ao senhorio, pelo próprio arrendatário, enquanto vivo.

 

E, finalmente, suscitam-nosdúvidas:

 

Em caso de pagamento de indemnização ao inquilino, este valor deve poder ser dedutível em sede de IRS. Atualmente não o é.

 

Não estamos cá para permanentemente lamentar a ineficácia da máquina da justiça. Estamos cá para, em conjunto com os decisores públicos, resolver os problemas do sector do arrendamento, dinamizando-o com preços justos e acessíveis, oferecendo um marco de estabilidade entre as partes: senhorios e inquilinos.

 

Não podemos é permitir que as rendas não sejam pagas e nada aconteça. Isso é a anarquia!

 

A ANP deposita as maiores esperanças no Balcão Nacional do Arrendamento (BNA), plataforma online criada na dependência da Direção-Geral da Administração da Justiça, que tem todas as condições para notificar, de forma rápida e eficaz, os inquilinos incumpridores, provocando o despejo célere do local que indevidamente ocupam, assim agilizando os despejos por incumprimento do contrato.

 

 

Em relação ao seu funcionamento, dado só ter sido ativado em 11 de janeiro deste ano, é prematuro emitirmos uma opinião.

 

Nos primeiros quatro meses, entre 11 de janeiro e 30 de Abril, deram entrada 1.076 processos de despejo (PED’s), dos quais foram recusados 536 e admitidos 540; emitidos 46 títulos de desocupação e 23 oposições.

 

Nenhum despejo foi ainda efetivado.

 

A principal causa para recusa é a ausência de prévia notificação judicial avulsa ou contacto por advogado, solicitador ou agente de execução. 

 

Para terminar, impõe-se concluir se esta Lei é uma reforma eficaz?

 

A ANP integra a Comissão de Monitorização da Lei do Arrendamento. Somos da opinião que, honestamente, só dois anos volvidos, se poderá fazer um primeiro balanço dos resultados obtidos.

 

Uma coisa é certa: se os inquilinos atuais libertarem as casas de que já não necessitam, por entretanto terem ido residir, p. ex. para uma casa no campo, e apenas não as entregam aos senhorios por as rendas serem ridiculamente baixas, tudo leva a crer que irão aparecer muitas casas para arrendar aos jovens casais, nomeadamente nos centros das cidades.

 

Os preços dos novos arrendamentos de uma casa terão tendência para descer.

 

Mas nunca para o valor do aluguer de um quarto… 

 

Braga,11 de maio de 2013

 

FIM

 

 

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propriedade e liberdade