Imposto sobre a Propriedade
Artur Soares Alves
6-Jun-2013
A questão fiscal vai continuar por largos anos a dominar
a vida portuguesa. É certo que hoje em dia se reconhece o caráter asfixiante da fiscalidade e daí fazerem-se promessas de não aumentar
mais os impostos. Porém, não se vê como se podem manter estas promessas no contexto das opções políticas. Nem se vê como se podem
fazer outras opções, perante a natureza dos interesses em presença, a necessidade de contrair dívidas que assegurem o funcionamento
corrente do Estado, e a mão-de-obra pouco instruída.
A política seguida recebe o nome de austeridade embora tenha sido muito
pouco austera no tocante às despesas do Governo e das autarquias. O que nos espera é que esta austeridade seja um quase exclusivo
dos cidadãos, o que só pode conseguir-se através de uma pesada carga fiscal. Conseguir-se é uma maneira de dizer porque o imposto
excessivo matará a receita fiscal.
Os impostos locais
O imposto local mais importante é o que incide sobre a propriedade,
chamado atualmente IMI. Consoante os países do mundo[i] a base fiscal varia muito. Entre nós, por enquanto, o imposto sobre a propriedade
rústica é pequeno e o IMI incide essencialmente sobre prédios e terrenos urbanos. Como em muitos outros lugares o imposto que incide
sobre a propriedade é proporcional a um valor que é atribuído a esta.
Há países onde os municípios estabelecem as suas regras,
por vezes entrando em competição com os municípios vizinhos no sentido de atrair negócios que, por sua vez, aumentam a base fiscal
e geram mais receita. Em Portugal o governo central interfere no cálculo do imposto municipal através de duas vias: (1) pela determinação
da fórmula de cálculo na qual o município somente fica com a possibilidade de fixar o coeficiente de localização; (2) pela determinação
da taxa mínima e da taxa máxima a aplicar.
Sendo municipal o imposto, talvez se esperasse uma maior liberdade para o município
determinar o seu valor. Porém, esta interferência do Governo é geralmente bem recebida porque é concebida como uma proteção ao cidadão
perante possíveis desmandos da autarquia. Esta proteção pode ser desnecessária em países onde a tradição seja municipal seja muito
arreigada, mas em Portugal há vários fatores que incitam o município a ser irresponsável a nível fiscal. Vejamos.
O único limite
real à carga fiscal excessiva é a possibilidade dos cidadãos votarem com os pés, isto é saírem dos concelhos com maiores impostos
para concelhos fiscalmente mais moderados. O problema é que imposto incide sobre um bem imóvel, fixo à terra pelos alicerces. Portanto,
o voto com os pés está muito dificultado. Com a agravante de que a mudança de residência impõe um custo suplementar.
É certo
que um município que seja fiscalmente irresponsável acaba por arruinar o respetivo concelho, mas isso não é um efeito de curto prazo.
Mais, é provável que essa ruína só ocorra quando o executivo municipal já tenha sido substituído por outro, como resultado de eleições.
Como se sabe os ciclos eleitorais alimentam uma política baseada nas aparências que levam à conquita do voto, inviabilizando uma planificação
coerente.
O município está muito próximo da população, toda a gente se conhece, o que por vezes engendra políticas personalizadas,
baseadas em inimizades ou conluios.
Tudo isto alimenta a tendência para uma espécie de política redistributiva local que só
pode ser baseada em taxas de IMI elevadas. No entanto, felizmente, não foi o que aconteceu em 2012; ver aqui.
As avaliações
dos imóveis
O nosso IMI é um imposto sobre a propriedade. A nosso ver isso é um erro mas não se vê que esteja para ser corrigido.
Como imposto sobre a propriedade a quantia a pagar é proporcional ao valor do prédio. Ora, o prédio não tem valor intrínseco, a menos
que gere rendimento. Na realidade o valor de um prédio só se estabelece no dia em que se vende. Os valores atribuídos, sejam por fórmulas,
sejam subjetivos são apenas estimativas sujeitas a grandes erros.
Para que estes erros não sejam graves ao ponto do absurdo é
preciso ir corrigindo continuamente estas estimativas. Só assim se consegue um mínimo de equidade fiscal, só assim se evitam situações
em que se dá um valor excessivo à propriedade para se cobrar um imposto também excessivo. Relativa à avaliação de 2012 terá sido esse
valor excessivo dos prédios que levou à fixação da taxa mínima em 43% dos municípios.
Eis um esquema simples e equilibrado para
garantir a revisão equitativa do valor da propriedade.
1. O valor tributário é calculado de maneira a ser igual a 80% do
valor de mercado da propriedade.
2. O proprietário tem o direito à opção de vender ao Estado qualquer propriedade pelo seu valor
tributário, e o Estado tem a obrigação de a comprar.
3. O Estado procede à avaliação do prédio e comunica o valor tributário
ao proprietário. Este ou concorda com a avaliação ou informa as Finanças de que pretende exercer o seu direito de venda.
4. Neste último caso o Estado procede à reavaliação da propriedade e, ou baixa para um valor que o proprietário considere razoável
ou compra pelo valor tributário.
5. Se o processo foi levado a cabo com rigor o Estado faz um bom negócio pois que compra por
80 o que vale 100 e a seguir vende-o em hasta pública, digamos por 95.
Obviamente este processo destina-se a melhorar a equidade
fiscal e não a transformar o Estado em mediador imobiliário.
A proporção do imposto
Não há impostos justos, quando muito
há impostos cujo valor não sufoca a economia. Nos impostos municipais também não é só o valor que é determinante. Ao contribuinte
interessa, em primeiro lugar, se pode pagá-lo; em segundo lugar, o que recebe em troca. Porque um problema grave com os impostos em
geral é a má aplicação que se faz do dinheiro cobrado.
Um município, mais do que o estado central, tem condições para uma aplicação
sóbria e eficiente dos impostos cobrados. Se o município se vir como uma unidade económica, se o contribuinte se vir beneficiado pelos
impostos pagos, em termos de equipamentos sociais e de serviços, o valor absoluto do imposto é o menos importante.
[i] William
MacKlusky, Gary Cornia & Lawrence Walters — A Primer on Property Tax, Wiley-Blackwell, 2013, cap. 1.