Maior Carga Fiscal
Artur Soares Alves
6-Jun-2011
Finalmente é uma verdade oficial e pode dizer-se sem temer o ridículo
— Portugal está falido ou, pelo menos, à beira da falência. Quem tem juízo e assistiu ao modo como se desperdiçaram os recursos materiais
e (sobretudo) morais da Nação, não ficará de modo algum surpreendido. Em todo o caso, convirá não esquecer quem falou na devida altura
e foi sujeito ao ridículo e ao cordão sanitário noticioso.
Hoje temos em Lisboa um comité de economistas estrangeiros que olham
a economia nacional e as contas públicas, com mal disfarçado desprezo, e ditam imperativamente os caminhos a seguir; é o já célebre Memorando de Entendimento. Com a falta de seriedade com que os assuntos públicos são tratados na imprensa, o referido Comité recebeu
o nome extravagante de Troika[1], supõe-se que com o objetivo de minimizar a tragédia que se anuncia.
Ora, minimizar esta tragédia
é um ato de cinismo cujo objectivo transparente é a manutenção de um estado de coisas que aproveita aos numerosos free-riders[2] que
prosperam devido à situação política e à manipulação do orçamento. Minimizar a tragédia é ocultar as razões claras que nos conduziram
até aqui. As contas do Estado não são um fenómeno do oculto, nada é mais simples do que verificar que a receita fiscal não chega para
pagar as despesas do Estado e para satisfazer o serviço da dívida. Para explicar isso não é preciso virem os distintos economistas
a Lisboa. Qualquer pessoa prudente evitará gastar mais do que ganha e só se endivida para investimento. E qualquer pessoa prudente
espera que o governo que elege atue da mesma forma.
É uma infelicidade que uma nação passe pela humilhação a que Portugal está
sujeito neste momento. Muitas pessoas conscientes da situação e bem intencionadas esperam que a atual intervenção externa reponha
a sanidade nas finanças. Porém, o equilíbrio orçamental não é um fim em si-mesmo — também os cemitérios estão em equilíbrio pois que
cada um consome tanto quanto produz. A intervenção externa procura apenas resolver o problema financeiro e salvaguardar os efeitos
externos da falência do País. Não lhe interessam as raízes do problema económico nem têm que interessar.
Imobiliário
Com
alguma rapidez vai-se percebendo que o crédito à compra de habitação criou um monstro económico a nível mundial. Percebe-se isso agora
porque o fenómeno se tornou evidente. É sempre assim no domínio das ciências sociais. Consta mesmo que os economistas nos explicamhoje o motivo por que as previsões de anteontem se não realizaram ontem.
Os governos puseram todas as vantagens do lado da compra
e, no caso português, liquidaram deliberadamente a alternativa do arrendamento. Numa visão ingénua parecia um céu aberto, uma realização
nostálgica da “Casa Portuguesa” [3], canção muito ao gosto do Estado Novo. Em todo o caso, os factos vão mostrando que a compra de
habitação nem sequer é vantajosa para o comprador; aqui. Não basta o desperdício de capital que são as casas vazias, o atirar para
a periferia dos cidadãos ativos, as infra-estruturas de acesso às cidades, a imobilidade da mão-de-obra (também referida no Memorando).
Não bastam estes desperdícios, o próprio cidadão não beneficia financeiramente com a compra que foi obrigado a fazer para poder ter
um teto.
No Memorando fala-se em reduzir os incentivos às famílias, para a compra de habitação e o endividamento sequente. Porém,
no plano europeu e americano, foram os governos quem criou todo o tipo de mecanismos para incentivar a compra, chegando-se nos USA
a juros negativos, devido aos abatimentos ao rendimento e à inflação. Associado a isto há uma questão para a qual iremos um dia ter
a resposta e decerto que não vai ser agradável: como é possível obter taxas de juro de referência tão baixas? De facto, taxas tão
baixas somente deveriam ser possíveis com níveis de poupança muito elevados… e não parece que esta seja a realidade dos dias de hoje.
Os
bancos hoje precatam-se com garantias que, se forem realmente aplicadas, retiram à generalidade dos jovens o acesso à compra. É o
caso da entrada de 20%. Sendo assim o Estado teria que inverter a política, em relação ao arrendamento, praticada nos últimos 30 anos.
O Memorando também inclui esse objetivo recomendando a revisão do NRAU, incluindo a questão das rendas congeladas, o que é a pedra
de toque da seriedade política nesta matéria.
Impostos
E passemos ao assunto principal. Os governos só conhecem um processo
para resolver os problemas orçamentais que eles-próprios criam — o aumento da receita fiscal. É certo que a receita pode aumentar
por duas vias: o crescimento económico ou o aumento simples dos impostos. A estratégia do Memorando é de curto prazo, enquanto o crescimento
económico é matéria de médio prazo e da competência da Nação. Não é assunto que possa ser imposto do exterior mesmo que os peritos
do FMI-UE tivessem esse propósito.
Portanto, os Portugueses terão que lidar com o aumento da carga fiscal. E prevendo-se que
a economia irá viver em recessão, as receitas pela via do IVA, do IRC e do IRS vão sofrer quebras. Restam os proprietários, não pelo
rendimento que os seus bens produzem e que já estão pesadamente tributados, mas sim pelas suas outras poupanças. São essas poupanças
que se pretende tributar através do IMI “atualizado”.
Sabe-se que o proprietário pagará até ao limite do possível para defender
a sua propriedade. É esta a lógica do proprietário, a sua “marca genética” por assim dizer. E é exatamente a mesma “marca genética”
que encontramos no patriota.
Porém, se a ideia consiste em atrair poupanças para o arrendamento vejamos o que nos dão os cálculos,
para ver se a intenção é séria. Um investidor particular compra um apartamento por 100.000 euros e coloca-o no mercado de arrendamento.
Não se trata de um investimento passivo porque a simples posse do apartamento provoca despesas, como condomínio, seguro e conservação.
A própria atividade de arrendamento tem os riscos de qualquer atividade comercial — dívidas incobráveis, meses sem inquilino, custos
com a justiça e advogados (estes nem são considerados como despesas a abater ao rendimento).
Vejamos agora o ponto de vista fiscal,
mesmo ignorando as outras despesas. Segundo o Código do IMI o valor fiscal do apartamento anda por 70% a 80% do valor de mercado.
Ponhamos 80.000 como valor patrimonial. A uma taxa de 0,35% o IMI anual custa 280 euros.
Consideremos que a renda anual é 8%
do custo do apartamento, valor tradicional mas que dá uma renda de 666 euros/mês. Ao rendimento anual de 8.000 euros é abatido o IMI,
o que dá um rendimento líquido de 7.720 euros. Sobre este recai o IRS, digamos 40%. O investidor paga 3.088 euros em sede de IRS.
A
estes somam-se 280 euros de IMI, dando um total de 3.368 euros de impostos que incidem sobre as rendas recebidas. Os cálculos são
mostrados na tabela seguinte:
Receitas |
Impostos | |
Renda anual |
8.000 |
|
IMI (0,35% sobre 80 mil) |
-280 |
280 |
Rendimento líquido |
7.720 |
|
IRS (40%) |
-3.088 |
3.088 |
TOTAIS |
4.352 |
3.368 |
O
capital é remunerado à taxa de 4,35%. O Fisco absorve 42% do rendimento, coisa que é esquecida quando se fazem considerações sobre
a “altura” das rendas. Mas este esquema não inclui as despesas e perdas inerentes ao investimento. Este esquema considera que o trabalho
do proprietário não é remunerado. Portanto, existem custos de oportunidade a abater ao rendimento.
Se refizermos o quadro anterior
para uma renda mensal de 416 euros, ou seja 5% do capital:
Receitas |
Impostos | |
Renda anual |
5.000 |
|
IMI (0,35% sobre 80 mil) |
-280 |
280 |
Rendimento
líquido |
4.720 |
|
IRS (40%) |
-1.888 |
1.888 |
TOTAIS |
2.832 |
2.168 |
A rendibilidade do senhorio baixa para 2,8% e o fisco absorve mais de 43% das
rendas pagas. Portanto, quanto menor a renda maior a fração absorvida pelo Estado. O mesmo, de resto, ocorre com as despesas e perdas,
quanto maiores maior a fração do rendimento absorvida pelo Estado.
Não é credível que alguém no seu juízo vá investir a sua poupança
num negócio sem liquidez e com uma rendibilidade de 2,8%. Uma taxa de 3% é apropriada para um depósito a prazo, sem risco e sem trabalho.
No caso do imobiliário poderia dizer-se que o capital não sofre erosão, o que seria uma vantagem. Ou seria, se não existisse o risco
de um novo congelamento de rendas, por exemplo.
Cem anos de intervencionismo e espoliação por parte do Estado confundiram de
tal modo as situações que é muito difícil traçar quadros futuros. Dois fatores determinantes no mercado imobiliário foram a demografia em
crescimento; e o movimento da população (do interior para o litoral e do campo para a cidade). Hoje temos quebra na natalidade e os
dois outros movimentos pararam.
Contudo, será que os estrategas políticos pensam que o imobiliário continuará a ser o maná que
alimentou tantos sectores do Estado nos últimos 30 anos? O Memorando é ambíguo nessa matéria, mas indica o uso a fiscalidade para
punir os proprietários cujos prédios estejam vazios. Seja! Todavia, o que as estatísticas sugerem é que a febre imobiliária levou
a que a oferta seja superior à procura e que muitos prédios novos não encontram comprador, nem inquilino. Será que os promotores que
não conseguem vender a construção em excesso terão que pagar IMI, e a dobrar? Afinal, o Sol quando nasce é para todos… Ou será que
a ideia é caçar alguns pobres diabos arruinados por dezenas de anos de congelamento e que não têm meios para pôr os seus prédios num
mercado que, de qualquer modo, é incerto?
Conclusão
A questão imobiliária e urbana só tem uma solução real — a libertação
efetiva do fator que criou o problema, a saber, a intervenção estatal. As circunstâncias presentes tornam escusado sequer especular
mais sobre o assunto. Porém, o que podemos dizer é que o imposto excessivo aplicado ao arrendamento só pode ter dois efeitos: (1)
tornar a habitação mais cara e os serviços menos eficientes; ou (2) tornar o arrendamento inviável porque o inquilino não pode pagar
a renda.
O custo da renda reflete-se no custo do trabalho e no custo da produção de bens transacionáveis — aqueles bens cuja
produção foi desprezada a favor do imobiliário, facto que os economistas agora lamentam. Uma carga fiscal desproporcionada sobre o
arrendamento vai tombar sobre a produtividade da economia em geral.
FIM
[1] Palavra de origem russa, uma troika é um carro
de três cavalos. A palavra foi usada para designar um triunvirato que partilha o poder ou actua em equipa, tal como Trotski, Kamenev
e Zinoviev após a morte de Lenine.
[2] O free-rider faz lembrar o indivíduo que anda aí pelo mundo a colher os frutos que não semeou.
Na economia é essencialmente um parasita que recebe mais do que produz. Em Português temos palavras como tachista ou chupista mas
que não parecem traduzir o conceito com fidelidade.
[3] Amália Rodrigues, “Uma Casa Portuguesa”: http://www.youtube.com/watch?v=9desdI7D7dI